DECRETO N. 16.054 – DE 26 DE MAIO DE 1923

Approva o regulamento para execução da lei n. 4.631, de 4 de janeiro de 1923, que estabelece penalidades para as fraudes da banha de porco e do vinho e dá outras providencias.

O Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brasil, usando da autorização constante do art. 48, n. 1, da Constituição Federal,

DECRETA:

Artigo unico. Fica approvado o regulamento para a execução da lei n. 4.631, de 4 de janeiro de 1923, que estabelece penalidades para as fraudes da banha de porco e do vinho e dá outras providencias; revogadas as disposições em contrario.

Rio de Janeiro, 26 de maio de 1923, 102º da Independencia e 35º da Republica.

ARTHUR DA SILVA BERNARDES.

Miguel Calmon du Pin e Almeida.

REGULAMENTO A QUE SE REFERE O DECRETO N. 16.054, DE 26 DE MAIO DE 1923

Art. 1º Não poderá ser exposto ao consumo publico com o nome de banha sinão o producto resultante da fusão das partes gordas do porco.

Art. 2º Será considerada fraudada ou falsificada toda a banha que contiver:

a) qualquer substancia estranha á sua composição normal ou aos principios immediatos normaes em maior ou menor proporção;

b) menos de 99% de materia gorda;

c) acidez acima de quatro gráos, quando se tratar de producto destinado ao consumo interno, e de dous gráos, quando se tratar de producto destinado á exportação.

Paragrapho unico. Entende-se por gráo de acidez o numero de centimetros cubicos de soluto alcalino normal necessario para neutralizar os acidos livres contidos em cem grammas de materia gorda de banha.

Art. 3º Decorrido o prazo de dous annos após a publicação do presente regulamento, sómente em autoclaves será permittida a elaboração de banha para o commercio interestadual e internacional.

Art. 4º E’ prohibido o emprego de qualquer substancia na conservação e refinação da banha.

Art. 5º Só poderá, ser exposto ao consumo publico sob o nome de vinho o producto resultante da fermentação alcoolica, completa ou não, de uva fresca ou de succo de uva fresca.

Art. 6º Será reconhecido fraudado ou falsificado o vinho que contiver substancia estranha á sua composição normal, assim como o que tiver sido obtido por processos artificiaes, embora com o emprego de principios immediatos normaes em maior ou menor proporção.

Art. 7º Será considerado acetificado ou azedo o vinho que contiver, por litro, acidez volatil superior a duas grammas, avaliada em acido acetico, sendo verificada ao microscopio a presença de Mycoderma Aceti e feita a prova organeleptica.

Art. 8º No preparo do vinho commum será permittido:

I. Nos mostos:

a) enxofragem por meio de anhydrido sulfuroso proveniente da combustão de enxofre purificado, ou de anhydrido sulfuroso liquido ou em suluto ou de sulfitos e meta-bi-sulfitos alcalinos;

b) gessagem em condições de fornecer vinho que não contenha, por litro, mais de duas grammas de sulfatos avaliados em sulfato neutro de potassio;

c) addição de sal marinho na quantidade maxima de uma gramma por litro;

d) tannagem;

e) phosphatagem na dose maxima de 250 grammas de phosphato bicalcico por hectolitro de vinho;

f) addição de fermentos seleccionados.

§ 1º Quando os mostos não forem sufficientemente doces, será permittida a addição de mostos concentrados ou de assucar crystallizados (saccharose) na proporção maxima de cinco kilogrammas de assucar por hectolitro de vinho.

§ 2º Quando os mostos não forem sufficientemente acidos, será permittida a addição de acido citrico crystalizado e puro na dóse maxi,a de 50 grammas por hectolitro.

§ 3º em caso algum poderá ser adoçado o mosto que tiver sido acidulado e vice-versa.

II. Nos vinhos:

a) o córte ou a mistura de vinhos de pasto com vinhos licorosos ou de vinhos entre si ou com mostos concentrados ou não;

b) encollamento com qualquer das seguintes substancias: clara de ovos, caseina, gelatina, colla de peixe, e outros albuminoides alimentares, uma vez que se achem em estado de pureza e conservação, não estejam contaminadas e não contenham outro agente conservador senão o acido sulfuroso ou os bisulfitos alcalinos;

c) clarificação por meio de substancias inertes (kaolin, terra de Hespanha, terra de infusorios, etc.);

d) addição de tannino commercialmente puro em quantidade capaz de completar o encollamento;

e) tratamento de vinhos brancos pelo carvão purificado;

f) enxofragem de vinho na forma indicada em relação aos mostos e de modo que a dose total de anhydrido sulfuroso livre e combinado não seja superior a 350 milligrammas por litro, não podendo existir mais de 20 milligrammas de anhydrido sulforoso livre no mesmo volume;

g) emprego de anhydrido carbonico puro:

h) acção do frio para defecação dos vinhos ou da congelação para obter sua concentração parcial;

i) pasteurização, filtração e qualquer outra operação physica ou mecanica que não modifique a composição do vinho.

Art. 9º As disposições do presente regulamento applicam-se a todos os typos de vinho.

Art. 10. Consideram-se «vinhos espumantes aquelles cuja espuma provenha exclusivamente da fermentação alcoolica, que poderá ser conseguida por uma addição de assucar puro. Esta designação applica-se a vinhos tintos ou brancos de qualquer região.

Art. 11. Consideram-se «vinhos gazeificados aqualles cuja effervescencia fôr devida ao gaz carbonico directamente addicionado.

Art. 12. Consideram-se vinhos licorosos» aquelles que forem alcoolizados ou obtidos pela mistura das seguintes materias primas, que são tambem consideradas vinhos licorosos:

a) vinhos seccos super alcoolizados;

b) vinhos semi-doces obtidos por fermentação parcial, obstada ou não pela addição de alcool (vinhos Abafados);

e) vinhos doces obtidos pela addição de alcool ao vindimo ou aos mostos;

d) vinhos cozidos alcoolizados.

§ 1º. – A alcoolização dos vinhos licorosos deverá ser feita até o maximo de 23 por cento em volume, empregando-se para tal fim o alcool rectificado, cujo titulo não deverá ser inferior a 95 gráos centesimaes.

§ 2º. – Será permittido, na preparação dos vinhos licorosos o emprego de mostos concentrados até 30 gráos Beaumé, mostos enxofrados na fórma do art. 1º lettra a e adição do caramelo em quantidade necessaria para corar o producto.

§ 3º. – Nos vinhos licorosos será tolerada a presença de sulfatos até o limite de 4 grammas por litro, avaliados em sulfato neuro de potassio.

§ 4º – Será permitido o uso de uvas mais ou menos dessecadas (passas) no fabrico de vinhos licorosos.

Art. 13. – Os productos obtidos pela fermentação alcoolica de frutas ou de succos de frutas, em condições identicas ás que se referem á fabricação de vinho de uva, poderão ser expostos ao consumo com a palavra vinho, uma vez que a esta seja accrescentado o nome da fruta que forneceu o succo.

Art. 14. – Os vinhos não poderão sahir das fabricas sem que os respectivos recipientes estejam assignalados, com a marca do productor, a procedencia e o anno da colheita.

Paragrapho unico – A marca será a fogp, quando se tratar de recipientes de madeira, e, por meio de rotulos, quando se tratar de recipientes de outra natureza.

Art. 15. – Os vinhos importados devem estar de accôrdo com este regulamento, sendo responsaveis pela qualidade de producto os respectivos depositarios ou commerciantes.

Art. 16. – Os depositarios ou commerciantes de vinhos são obrigados a identificar os vinhos que expuzerem á venda, collando em cada recipiente um rotulo que indique a procedencia, o anno da colheita e o nome do fabricante.

Paragrapho unico – Quando os vinhos forem cortados ou misturados, fica o manipulador equiparado ao productor, para os effeitos deste regulamento, devendo então ser consignado no rotulo o anno em que foi realizada a mistura.

Art. 17. – Finda a vinificação, serão retiradas amostras de vinhos das diveras regiões, de accôrdo com a instrucções epeciaes que forem expedidas pelo Instituto de Chimica.

Paragrapho unico. – Os resultados dessas analyses constituirão os padrões regionaes, para o anno da colheita, e serão officialmente publicados após a terminação dos trabalhos.

Art. 18. – As amostras de vinho e de banha remettidas para fins de analyse ao Insituto de Chimica serão recolhidas, nos Estados, pelos funccionarios das inspectorias agricolas, pelo pessoal das inspecções de fabricas e entrepostos de carnes e derivados e por quaesquer outros funccionarios do Ministerio da Agricultura, Industria e Commercio, que forem designados pelo Ministro.

Art. 19. – As analyses de vinho e banha obedecerão aos methodos que forem mandados adoptar pelo Ministro da Agricultura, Industria e Commercio.

Art. 20. – No envolucro ou vasilhame da banha exposta ao consumo serão impressos ou gravados a marca da inspecção federal, estadual ou municipal, e o rotulo, que deverá conter o nome do fabricante, a localidade da fabrica e o peso liquido do producto.

Paragrapho unico. – A marca de que trata o presente artigo deverá conter, album da palavra Brasil, o numero de registro do estabelecimento productor e o anno da fabricação do producto.

Art. 21. – A fiscalização sanitaria e commercial da banha e do vinho compete:

a) quanto á fabricação dos productos e commercio interestadual o internacional, ao Ministerio da Agricultura, Industria e Commercio, que a realizará por intermedio do Serviço de Industria Pastoril e do Instituto de Chimica;

b) quanto ao consumo, ao Departamento Nacional de Saude Publica, no Districto Federal, e ás repartições de hygiene dos Estados e Municipios.

Art. 22. – Nos Estados, as analyses de banhas e vinhos poderão ser feitas por laboratorios federaes, estaduaes ou municipaes, designados especialmente para tal fim pelo ministro da Agricultura e Commercio.

Art. 23. – A fiscalização exercida pelo Serviço de Industria Pastoril comprehende:

a) inspecção dos animaes vivos (inspecção ante-mortem);

b) inspecção da carcassa do animal abatido (inspecção post-mortem);

c) inspecção do producto e dos processos de manipulação e preparação das materias primas;

d) fiscalização da rotulagem ou designação commercial, marcação official etc.;

e) reinspecção do producto e das materias primas;

f) inspecção, sob o aspecto hygienico, dos estabelecimentos, abrangendo edificios, installações, machinas, apparelhos, utensilios, instrumentos, etc.;

g) inspecção sanitaria dos operarios.

Paragrapho unico. – Os trabalhos de fiscalização de que trata o artigo anterior serão feitos de accôrdo com o Regulamento do Serviço de Industria Pastoril e as instrucções referentes á inspecção de fabricas e entrepostos de carnes e derivados do mesmo serviço, e observadas as disposições do presente regulamento.

Art. 24. – As alfandegas e mesas de rendas não poderão despachar banhas o vinhos destinados á exportação, sem a exhibição de certificados expedidos pelos funccionarios designados para tal fim.

Art. 25. – As fabricas e entrepostos de vinhos e de banha serão registrados no Serviço de Industria Pastoril e Instituto de Chimica, respectivamente.

Paragrapho unico. – Todas as fabricas e entrepostos de banha e de vinho registrados serão designados officialmente pelo numero que lhes couber no registro.

Art. 26. – Os que fabricarem, expuzerem á venda ou exportarem banha ou vinho, em desaccôrdo com as disposições deste regulamento, serão punidos com as multas de 200$000 a 1:0000000 e o dobro na reincidencia.

Paragrapho unico. – A banha e o vinho, em taes condições, serão apprehendidos e inutilizados para o consumo, podendo, entretanto, ser aproveitados para outros fins, a juizo da autoridade incumbida da fiscalização.

Art. 27. – Verificada a infracção, será pelo funccionario incumbido da fiscalização lavrado o respectivo auto, o qual será por elle assignado juntamente com as testemunhas, si houver, e pelo infractor ou seu representante, quando a isso não se opponha.

§ 1º. O infractor será intimado a apresentar a respectiva defesa dentro de 10 dias. Findo este prazo, o mesmo funccionario applicará ou não a multa.

§ 2º Da decisão que absolver o infractor haverá sempre recurso ex-officio para o ministro da Agricultura.

§ 3º Mediante deposito prévio da importancia da multa, será licito á parte recorrer para o ministro da Agricultura dentro do prazo de 30 dias.

§ 4º Em qualquer das hypotheses o recurso será encaminhado ao ministro, por intermedio do Instituto de Chimica, quando se tratar de vinhos ou de fisclização chimica de banha, e por intermedio do Serviço de Industria Pastoril, nos demais casos.

Art. 28. – As multas não gagas serão cobradas executivamente, de accôrdo com a legislação vigente.

Art. 29. – Os funccionarios incumbidos da execução das medidas previstas no presente regulamento terão livre accesso nas fabricas, depositos, trapiches, armazens e casas commerciaes.

Art. 30. – Revogam-se as disposições em contrario.

Rio de Janeiro, 26 de maio de 1923. – Miguel Calmon du Pin e Almeida.