DECRETO N. 6297 – DE 29 DE DEZEMBRO DE 1906
Approva o plano geral para melhorar o abastecimento de agua á Capital Federal e declara sem effeito o decreto n. 6204, de 30 de outubro do corrente anno.
O Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brazil, usando da autorização constante do art. 15, n. XIX, da lei n. 1453, de 30 de dezembro de 1905,
decreta:
Art. 1º Ficam approvados o plano geral e o orçamento das obras para a revisão e melhoria do serviço de abastecimento de agua á Capital Federal, constantes dos documentos que com este baixam rubricados pelo director da Directoria Geral de Obras e Viação da respectiva Secretaria de Estado, e de conformidade com a exposição que lhe foi apresentada pelo Ministro de Estado dos Negocios da Industria, Viação e Obras Publicas.
Art. 2º O Ministro de Estado dos Negocios da Industria, Viação e Obras Publicas providenciará sobre a organização e distribuição dos trabalhos a cargo da Inspecção Geral das Obras Publicas da Capital Federal, creando para a execução, desde já autorizada, das obras alludidas no artigo precedente, a 3ª divisão de que trata o art. 15 do regulamento que baixou com o decreto n. 364, de 26 de abril de 1890.
Art. 3º Fica sem effeito a approvação do plano a que se refere o decreto n. 6204, de 30 de outubro do corrente anno.
Rio de Janeiro, 29 de dezembro de 1906, 18º da Republica.
Affonso Augusto Moreira Penna.
Miguel Calmon du Pin e Almeida.
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS
Sr. Presidente da Republica – Havendo V. Ex. assumido perante a Nação, em seu manifesto inaugural, o compromisso de «proseguir nas obras de saneamento e embellezamento da Capital da Republica, que tantos cuidados mereceram da operosidade do Governo findo, completando-as com um farto abastecimento de agua», foi-me das primeiras preoccupações estudar a materia, examinando o que a respeito se havia feito ou proposto, afim de resolver tão importante problema pela fórma que melhor consultasse os interesses do erario publico e as necessidades da população, tendo, sobretudo, em vista que, «sem agua em abundancia, a commodidade dos habitantes é insufficiente e são sempre precarias as condições hygienicas da cidade».
Neste intuito, procurei, com assentimento de V. Ex., a collaboração de distincto profissional, por muitos titulos merecedor da minha confiança, o engenheiro José Mattoso Sampaio Corrêa, professor da Escola Polytechnica, que, nomeado, por decreto de 30 de novembro ultimo, inspector das Obras Publicas, encetou, sem demora, os trabalhos necessarios á organização de um plano definitivo para melhoria do serviço de aguas desta Capital, valendo-se, em tal sentido, de todos os elementos deixados pela anterior administração, e reunindo novos outros que permittissem criterio seguro ácerca de tão grave assumpto.
Não foram motivos de somenos importancia, Sr. Presidente, que me levaram, na especie, a dissentir do meu eminente antecessor, o Exm. Sr. Dr. Lauro Severiano Müller, e a rever o projecto esboçado por S. Ex. na exposição que fez ao então Presidente da Republica, o Exm. Sr. Dr. Francisco de Paula Rodrigues Alves, não; foram divergencias em pontos essenciaes, conforme haverá V. Ex. ensejo de apreciar, que a isso me forçaram. Aliás, na previsão, sem duvida, de justas modificações no plano approvado por decreto de 30 de outubro de 1906, o ex-titular da pasta da Industria já, nesse documento, annuia ao proceder, com as seguintes palavras: «Ao demais, a approvação do projecto que tenho a honra de apresentar, acompanhado de estudos e dados que occuparam a demorada attenção de profissionaes competentes, servirá, quando mesmo não tenha execução integral, de elemento à administração para a resolução que, porventura, haja de tomar a esse respeito no futuro».
Ha de V. Ex. permittir que, sem descer a comparação detida entre o plano approvado e aquelle que me cabe a honra de sujeitar ao provecto juizo de V. Ex., releve, ao menos, duas circumstancias que, sós por si, me parecem, cabalmente, justificar a adopção deste, até mercê de conceitos emittidos de referencia ao primeiro.
Diz a exposição citada:
«O volume de agua que hoje recebemos póde ser computado em 146 milhões de litros diarios, fornecidos pelas procedencias seguintes:
| Litros |
Serras do Tinguá e Commercio .......................................................................................... | 125.000.000 |
Rio Macacos ....................................................................................................................... | 2.500.000 |
Rio Cabeça ......................................................................................................................... | 800.000 |
Rio do Trapicheiro ............................................................................................................... | 800.000 |
Mananciaes de Santa Thereza ........................................................................................... | 800.000 |
Rio Andarahy ...................................................................................................................... | 800.000 |
Maracanã e affluentes ........................................................................................................ | 12.300.000 |
Tres Rios, Mendanha e Piraquara ...................................................................................... | 3.000.000 |
| 146.000.000 |
Estes 146 milhões de litros de agua, distribuidos por 700 mil habitantes, em que, nos calculos da Inspecção Geral das Obras Publicas, era então avaliada a população abastecida da cidade, correspondia ao supprimento de cerca de 200 litros, em média, por habitante e por dia.
Esta avaliação, porém, que teve por base o numero de predios particulares lançados pela Prefeitura para a cobrança do imposto predial, não é hoje acceitavel, pois é bem sabido que, nestes ultimos annos, a densidade da população da nossa Capital tem augmentado sensivelmente.
Aquelle coefficiente acha-se, pois, igualmente reduzido, e, mesmo que assim não fosse, aquelles 200 litros por habitante não podem ser considerados um supprimento sufficiente para todas as exigencias do consumo em uma cidade como a nossa, tendo em consideração os habitos e costumes da população, as exigencias da saude e serviços publicos, o clima e natural desenvolvimento da propria cidade.
Nestes termos, é de indeclinavel necessidade que, com o aproveitamento de novos mananciaes, seja elevada immediatamente a distribuição, na proporção de 300 litros diarios por habitante, como supprimento médio, devendo seguir-se medidas complementares para permittir que, em seguida, seja elevado aquelle coefficiente a 400 litros, como o requerem o natural desenvolvimento e as condições da nossa Capital, em franca transformação e progresso.»
Ora, o plano de abastecimento approvado não se me afigura conforme ás idéas exaradas na ultima parte do excerpto.
Realmente, admittindo-se o fornecimento médio diario de 146 milhões de litros, cifra contestavel, porque tal volume tem descido ás immediações de 100.000.000, a quota por habitante-dia, dada a população do Districto Federal, ultimamente recenseada, attinge a 180 litros. Mas, tomando-se em conta o facto da deficiencia do alludido recenseamento, confessado pela propria commissão incumbida dos trabalhos, é licito affirmar que, no Rio de Janeiro, o volume de agua, fornecido diariamente a cada habitante, não excede de 160 litros, sendo que baixa, nas grandes estiagens, até 120 litros.
Em taes condições, acceita a base de 160 litros por habitante-dia, temos que o mencionado projecto de 30 de outubro, prescrevendo, unicamente, a captação immediata das aguas da Tijuca, Mantequira, rio Grande e Camorim, não satisfaz, de modo algum, aos propositos do seu illustre autor; porquanto, apenas, accresce de 82 litros a quota por habitante-dia, segundo os dados da exposição de motivos, e, tão sómente, de 66 litros, pelas medições, correspondentes á maxima estiagem, registadas na Inspecção das Obras Publicas. Dest’arte, ficariamos, terminadas as obras planeadas, com o volume escasso de 226 litros, por habitante e por dia. Sobrevém, ainda, que se não deve prescindir da consideração, tambem feita na exposição citada, no tocante ao desenvolvimento e progresso da cidade. De feito, um projecto que obedeça ás normas correntes na pratica de serviços de aguas, ha de basear-se, não na população e necessidades do momento, mas em dados relativos a um futuro mais ou menos afastado, para que, dentro de certo periodo, não se justifiquem, salvo circumstancias imprevistas, novas obras e despezas, nem deixem de ser, convenientemente, satisfeitas as exigencias do consumo.
Para que V. Ex. possa, precisamente, aquilatar do crescimento verificado nos grandes centros urbanos, do consumo de agua, por habitante-dia, apresento, em seguida, um quadro com algarismos concernentes ás principaes cidades da America do Norte, todas ellas dotadas de fornecimento diario de mais de 300 litros por habitante, e a mór parte com augmento, em 10 annos, superior a 100 litros:
Consumo de agua nas principaes cidades americanas
CIDADES | LITROS POR | AUGMENTO | |
Em 1890 | Em 1900 | ||
|
|
|
|
Chicago .................................................................. | 636 | 863 | 228 |
Philadelphia ........................................................... | 599 | 1.040 | 447 |
S. Luiz .................................................................... | 327 | 722 | 391 |
Boston .................................................................... | 363 | 649 | 285 |
Baltimore ................................................................ | 427 | 440 | 16 |
S. Francisco ........................................................... | 277 | 331 | 53 |
Cincinnati ............................................................... | 508 | 549 | 34 |
Cleveland ............................................................... | 468 | 722 | 251 |
Buffalo .................................................................... | 844 | 1.058 | 214 |
Pittsburg ................................................................. | 654 | 1.049 | 394 |
Washington ............................................................ | 717 | 840 | 125 |
Troy ........................................................................ | 567 | 831 | 263 |
Newark ................................................................... | 345 | 427 | 84 |
Minneapolis ............................................................ | 340 | 422 | 82 |
Jersey City ............................................................. | 440 | 726 | 282 |
Louisville ................................................................ | 336 | 454 | 116 |
Omaha ................................................................... | 427 | 799 | 372 |
Rochester .............................................................. | 299 | 377 | 78 |
St. Paul .................................................................. | 272 | 304 | 32 |
Denver ................................................................... |
| 1.362 |
|
Indianopolis ............................................................ | 322 | 359 | 37 |
Albany .................................................................... |
| 867 |
|
Columbus ............................................................... | 354 | 1.044 | 690 |
Syracuse ................................................................ | 309 | 463 | 154 |
Worcester .............................................................. | 268 | 318 | 50 |
Toledo .................................................................... | 327 | 540 | 213 |
New-Haven ............................................................ | 613 | 681 | 68 |
Atlanta .................................................................... | 163 | 381 | 218 |
Lowell ..................................................................... | 300 | 386 | 86 |
Camden ................................................................. | 595 | 1.271 | 676 |
Cambridge ............................................................. | 291 | 359 | 68 |
Cumpre, de par com isso, estimar a expansão do consumo total, por effeito do crescimento da população, para se haver a expressão exacta do volume de agua, cada dia maior, que pedem as grandes metropoles. Basta-me, como exemplo, citar Nova York, cujo abastecimento, de 270 milhões de litros diarios, em 1860, se elevava a 1.360 milhões, recentemente.
Diante dessas observações mais sobreleva a manifesta insufficiencia do serviço que havia sido projectado.
O segundo ponto, para o qual solicito a attenção de V. Ex., é o que diz respeito ás despezas que acarretava o plano do meu digno antecessor. Computadas as verbas especificadas na exposição de motivos e as que se faziam necessarias para a construcção de um grande reservatorio e para a revisão geral da rêde de abastecimento, o custo do metro cubico captado e distribuido orçava, segundo o dito plano, por 500$; ao passo que, no actual, sobre não haver os inconvenientes apontados, o custo do metro cubico monta a menos de 300$, isto é, quasi a metade.
O serviço de abastecimento de agua é, no Rio de Janeiro, muito imperfeito, não preenchendo, por modo algum, as actuaes exigencias de uma capital civilizada, como a nossa, cuja população já é superior a 800.000 almas.
Duas são as causas que, concorrendo conjuntamente, teem determinado as constantes e justas reclamações do publico, que se vê privado de receber o volume de agua necessario aos usos domesticos, publicos e industriaes: de um lado, a deficiencia dos mananciaes ora captados; e, do outro, o máo e irregular serviço de distribuição, que «faculta o affluxo exaggerado para alguns pontos privilegiados e a grande reducção ou mesmo carencia absoluta para outros, em situações menos favoraveis», conforme bem salientou o meu illustrado antecessor.
Não póde, de feito, restar a menor duvida sobre a insufficiencia do volume de agua, presentemente distribuido á população desta Capital: basta recorrer aos dados estatisticos existentes, e analysal-os com cuidado, para que se firme no nosso espirito a convicção de que é imprescindivel iniciar, dentro do mais curto prazo possivel, obras de captação e adducção de novos mananciaes, capazes de, pela sua contribuição, elevar a quota actual do fornecimento diario.
Cidade de grande futuro, e cujo desenvolvimento industrial se vae accentuando de mais a mais, o Rio de Janeiro não prescinde de farto abastecimento, que nunca deverá ser inferior a uma média de 300 litros por habitante-dia; o que importa dizer que, na situação vigente, o supprimento total não deve baixar de 240 milhões de litros diarios.
O volume de agua que hoje recebemos, não póde, á evidencia, siquer corresponder ás necessidades actuaes do consumo, por ser, nas épocas em que não ha prolongadas estiagens, apenas de 146.000.000 de litros, volume inferior de 94.000.000 ao que cumpria ser, realmente, si esse ramo do serviço publico houvesse acompanhado de perto o progredir da cidade e os demais melhoramentos introduzidos na publica administração.
Não é de bom alvitre, como já observei, procurar resolver esta importante questão cogitando apenas das condições presentes: é de boa technica, e melhor administração, prever o futuro, tanto quanto possivel; e, nesta ordem de idéas, cabe cuidar com desvelo e diligencia das obras a executar, tendo sempre em vista o accrescimo da população, o desenvolvimento das industrias, as necessidades crescentes do serviço publico, as multiplas exigencias, emfim, de uma grande capital.
Creio não ser exaggerado, antes prudente, dizer que a completa e satisfactoria solução do problema de abastecimento de agua, no Rio de Janeiro, exige que se tenha em conta uma população jámais inferior a 1.200.000 habitantes, para que nos fique a segurança de que, nos 15 annos immediatos áquelle em que as novas obras forem concluidas, não haverá falhas no serviço.
Assim sendo, não parece acertado projectar novas obras sinão em ordem a obter um supprimento total de 360.000.000 de litros diarios.
Não basta, porém, augmentar o volume ora entregue á distribuição publica: preciso se torna, igualmente, cuidar dessa distribuição, que é extremamente defeituosa, feita de modo intermittente e «por tamina», sem a regularidade indispensavel; porque «a rêde geral foi successivamente estabelecida, sem obedecer a um projecto «harmonico no seu conjuncto», e «lançado um tanto a esmo, conforme as exigencias restrictas do momento».
No Rio de Janeiro, o problema é vasto e complexo, porque já existem trabalhos feitos que não convem desaproveitar; devendo-se, ao revez, utilizar, tanto quanto possivel, todos os serviços principaes até hoje executados, corrigindo, de prompto, graves defeitos de facil modificação e, em seguida, realizando com maxima ponderação, e não menor presteza de acção, todas as obras complementares, de modo a dotal-os da perfeição de que carecem.
A tal respeito, entendo ser de meu estricto dever apresentar a V. Ex., com inteira franqueza, a minha maneira de pensar, expondo, por maior, o plano que foi organizado, nesta conformidade, pelo actual inspector das Obras Publicas, o competente engenheiro Dr. José Mattoso de Sampaio Corrêa.
Para isso, ha de V. Ex. consentir que faça acompanhar a descripção e justificação do projecto, a que me referi, de uma ligeira, mas necessaria, exposição sobre o actual abastecimento, que, segundo já ficou dito, não obedece a um plano «harmonico no conjuncto», nem racional nas partes.
Deixando de lado as pequenas captações parciaes dos rios Macacos, Trapicheiros, Cabeça, Andarahy e dos diversos mananciaes de Santa Thereza, cujo volume total não excede de 5.700.000 litros diarios, e que abastecem apenas, e incompletamente, pequenas zonas na circumvizinhança, para só considerar as principaes alimentações feitas pelos mananciaes das serras do Tinguá e do Commercio, pelo rio Maracanã e seus affluentes e pelos rios Mendanha, Piraquara e Tres Rios, temos que, servindo os tres ultimos a regiões extremas dos suburbios (Jacarepaguá, Irajá, Realengo, Campo Grande e Santa Cruz), corre todo o serviço da cidade, propriamente dita, desde Bemfica até ao littoral, por conta dos outros dous.
Isto significa que a região de mais densa população não dispõe sinão dos 125.000.000 de litros, diariamente, fornecidos pelos mananciaes das serras do Tinguá e do Commercio, dos quaes, a encarar a questão com o rigor necessario, se devem deduzir 54.000.000, inconvenientemente distribuidos em marcha, pelas linhas adductoras, a diversos pontos do Districto Federal e até a villas do Estado do Rio de Janeiro, e dos 12.300.000, contribuição média do Maracanã e seus affluentes, cujo volume baixa, ás vezes, em épocas de seccas prolongadas, a cerca de 6.000.000 de litros diarios.
De todo o volume fornecido pelos mananciaes que alimentam a cidade, propriamente dita, apenas a ultima parte – os 6.000.000 fornecidos pelos rios da serra da Tijuca – póde ser levada aos pontos altos, que exigem contribuição muito superior áquella que actualmente lhes é fornecida; o restante, salvo o grande volume, directa e irregularmente distribuido pelas linhas adductoras, vae ter ao reservatorio do Pedregulho cuja cota de fundo é, na caixa inferior, de 45m,20.
Importa attender, promptamente, ás necessidades das zonas de maior altitude, o que não se me antolha difficil, si se attender ao facto, muito importante, de ser possivel utilizar, para esse fim, as aguas do Maracanã, que vão ter a um reservatorio (caixa velha da Tijuca) de 207 metros de altitude, de onde passam, hoje, em grande parte, como si fossem sobras, para a caixa nova, de cota de 120 metros, no fundo.
O exame minucioso da carta cadastral e dos demais documentos, existentes na Inspecção Geral das Obras Publicas, revelou que são em pequeno numero as habitações acima da quota de 130 metros e, mais, que todos os pontos, comprehendidos entre essa quota e a maxima que poderá ser attingida pelas aguas provenientes da caixa nova da Tijuca, ficarão plenamente abastecidos, si a elles fôr levada, directamente, a contribuição minima de 6.000.000 do Maracanã e seus affluentes.
Esses pontos são justamente aquelles que ficam situados nos morros de Santa Thereza, Paula Mattos, Cintra, Novo Mundo e Laranjeiras, todos proximos uns dos outros e todos mal abastecidos, apezar dos 800.000 litros dos mananciaes do primeiro delles e da contribuição de 1.400.000 litros diarios, que presta a caixa velha da Tijuca ao reservatorio do França.
Nestas condições, entendo que, de preferencia á construcção de um novo reservatorio de cota elevada para o abastecimento dessa região, ou á captação dispendiosa das aguas da Cascata Grande na Tijuca, occorre fazer que não mais existam as sobras artificiaes do Maracanã e seus affluentes, levando-se, por uma linha especial, ao reservatorio do França, de capacidade de 15.000.000 de litros e cuja cota de fundo é de 161m,50, a contribuição total daquelles rios, salvo a diminutissima quantidade a distribuir, na aba da serra da Tijuca, aos predios edificados entre as cotas das caixas, ora existentes – a velha e a nova.
O abastecimento de Santa Thereza, Paula Mattos, Cintra, Novo Mundo e Laranjeiras será assim reforçado com mais 6.000.000 de litros diariamente, o que basta para supprir todos os predios dessa zona, que se acham edificados, ou que se venham a construir, acima da altitude de 25 metros.
A certeza de que o augmento, por essa fórma feito, da contribuição hoje levada ao França das caixas velhas da Tijuca, basta ás necessidades actuaes e futuras da vasta zona, ora tão mal contemplada, infere-se da extensão das ruas a servir e das condições especiaes da zona, onde a edificação nunca ha de ser muito densa, nem, tampouco, poderão tornar-se grandes as exigencias do serviço publico e industrial; accresce, ainda, que, no computo, se desprezaram as contribuições dos mananciaes de Santa Thereza, por ser o seu volume susceptivel de grande reducção nas longas estiagens.
O reservatorio do França, de grande capacidade, está construido e póde facilmente transformar-se em excellente centro distribuidor, já por causa de sua situação relativa, mui proxima do centro de gravidade da região que lhe caberá supprir, já por causa de sua altitude elevada, a cavalleiro dos pontos mais altos a abastecer; já, finalmente, porque, tendo uma grande capacidade, superior ao dobro do maximo consumo diario, será optimo regulador, garantindo, que farte, a não interrupção do abastecimento, ainda nos casos de arrebentamento da linha adductora, servindo, além disto, para compensar, posto que entre limites proximos, as variações de volume do Maracanã e seus affluentes, que oscillam entre 6.000.000 e 20.000.000 por dia.
Aproveitando-se, portanto, o que está feito, sem necessidade de construir obras mortas de grande monta, apenas augmentando a capacidade da linha adductora entre a Tijuca e o França, penso que ficará, pela maneira exposta, completamente resolvido o problema da alimentação dos pontos altos, de cota superior a 25 metros, que se acham todos, salvo casos insulados, dos quaes tratarei opportunamente, na zona dominada pelo reservatorio do França.
Ao reservatorio da Tijuca, cuja cota de fundo é, como já disse, de 120 metros e cuja capacidade méde 17.000.000 de litros, uma vez que se lhe não enviem as sobras artificiaes das caixas velhas, serão levadas as aguas do Mantequira, facilmente captaveis em cota conveniente e que representam um volume minimo de 40.000.000 de litros; esta caixa será um novo centro distribuidor, tambem já construido, apenas melhor utilizado do que actualmente, o qual regulará o consumo de varias zonas de cota alta, porém inferior a 100 metros, alimentando os morros de Souza Cruz (600 metros de rua), Conceição (1.500 metros de rua), Santos Rodrigues e proximidades (8.000 metros de rua), Providencia (750 metros de rua), Livramento (2.700 metros de rua), Pinto (3.000 metros de rua) e Castello (1.000 metros de rua) e para toda a zona, de 94 kilometros de viação, approximadamente, situada dentro do seguinte perimetro:
Ruas Conde de Bomfim, D. Anna, Maria Amelia, Uruguay, Barão de Mesquita, General Canabarro, Campo Alegre, Mariz e Barros, S. Christovão, Haddock Lobo, Aristides Lobo, Bispo, Barão de Itapagipe, Deolinda, Araujos, Bom Pastor, Antonio dos Santos e Conde de Bomfim até á caixa.
O volume maximo que estes morros e a zona acima limitada podem exigir, foi estimado para a hypothese de um consumo de 250 litros por dia e por metro corrente de rua, nos morros, e de 350 litros, na parte baixa, correspondendo a um total maximo de 37.000.000 de litros, quantidade inferior á que póde ser captada, para levar em conta as perdas na linha adductora.
O aproveitamento da caixa nova da Tijuca dispensa a construcção dispendiosa de outro reservatorio, em cota elevada, para servir á zona alta, devendo-se notar que aos 17.000.000 de litros, que aquella comporta, cumpre addicionar a reserva de 3.277.000 litros das caixas já existentes em alguns dos morros, e cêrca de 1.000.000 de litros das pequenas caixas a construir nos morros que ainda as não possuem.
Essa utilização do novo reservatorio da Tijuca, além de permittir o necessario augmento do supprimento hoje feito áquelles morros e logares altos, que não convem collocar dentro do perimetro de acção da caixa do França, determinará a reducção da zona, ora sujeita ao grande reservatorio do Pedregulho, que, aliás, se acha desfalcado das aguas que devera receber, por se não haver respeitado o primitivo projecto do marechal Jeronymo Jardim.
Chave principal da distribuição, outr’ora projectada para a zona baixa da cidade, porquanto os pontos altos, hoje edificados, tinham então insignificante população e, conseguintemente, se satisfaziam com pequenas contribuições dos mananciaes de Santa Thereza, Tijuca, etc., o reservatorio do Pedregulho, com capacidade para 75.000.000 de litros e com 45m,200 de altitude no fundo, deve e póde continuar a ser o regulador da distribuição de todos os pontos de cota inferior a 25 metros, situados desde a rua Jockey-Club até ao littoral.
Para o conseguir, bastará augmentar o volume de agua que, actualmente, lhe vae ter, na razão de sua capacidade e da zona que se desejar por elle supprida.
Ora, o reservatorio do Pedregulho recebe apenas 61 milhões de litros, o que lhe não permitte serviço continuo de distribuição, hoje feita de modo franco sómente das 5 ás 12 da manhã; destes 61.000.000, 8.000.000 são enviados, por uma linha de 0m,60 de diametro, ao antigo reservatorio do Morro da Viuva e destinam-se ao abastecimento de Botafogo, bairro a que não bastam os 2.500.000 litros do açude de Macacos.
Os rios João Pinto e Registo, que formam o Xerém, podem ser captados em cota conveniente para que as suas aguas, com um volume minimo diario de 30.000.000 de litros, sejam conduzidas ao Pedregulho, que passará então a receber 91.000.000, ao emvez dos 61.000.000, que ora tem.
Verdade é que, apezar da restricção que o aproveitamento da caixa nova da Tijuca permitte fazer á zona a cargo do Pedregulho, não preencherão as necessidades futuras os accrescimos provenientes das captações dos rios João Pinto e Registo; mas é possivel, ainda utilizando obra feita, lançar na repreza do rio S. Pedro as contribuições do Cachoeira Grande, com 5.000.000 de litros, a pequena distancia da barragem do São Pedro, e as de algumas das cachoeiras do rio Sant’Anna, cujo volume minimo é de 17.000.000. Este augmento total de 22.000.000 de litros por dia poderá ser, em parte, aproveitado para reforçar as linhas adductoras dos rios do Ouro e da serra do Tinguá, que hoje não funccionam em plena capacidade, durante as seccas, e o restante para o assentamento de uma nova canalização, destinada ao Pedregulho, que passará assim a receber 113 milhões de litros, quasi o dôbro do fornecimento actual.
Dest’arte, será licito fazer que a linha directa do Pedregulho ao morro da Viuva, cujo reservatorio é de 6.000 metros cubicos de volume e está á cota de 38 metros de fundo, trabalhe com a capacidade para a qual foi projectada – 18.000.000 de litros, em logar de funccionar apenas com 8.000.000, sendo então possivel estender a zona de irradiação do morro da Viuva, o que importa em reduzir aquella que alimenta hoje o açude de Macacos, de cota muito superior á do reservatorio deste morro. As aguas de Macacos poderão, neste caso, destinar-se aos pontos altos de Copacabana, Leme, Ipanema, Voluntarios da Patria, S. Clemente, Marquez de S. Vicente e ruas transversaes, a cujo fim se desviará o supprimento da zona baixa de Copacabana e Leme para o morro da Viuva, que, com folga, supportará esse novo serviço pelo accrescimo de 10.000.000 de litros, que ha de receber do Pedregulho.
Em vista do exposto, conclue-se que a zona da cidade, desde o Jockey-Club até ao littoral da bahia, terá um augmento de 92.000.000 de litros por dia, assim distribuidos:
Mantequira ........................................................................................... | 40.000.000 | (já avaliado em 50.000.000). |
João Pinto e Registo ............................................................................ | 30.000.000 | (já avaliado, sómente o João Pinto, em 24 milhões). |
Cachoeira Grande e Sant’Anna ........................................................... | 22.000.000 |
|
Total ........................................................................................... | 92.000.000 |
|
Taes obras, de caracter urgente, exigirão as seguintes despezas, approximadamente:
Prolongamentos necessarios da Estrada de Ferro do Rio do Ouro, consolidação e augmento do material rodante e de tracção da mesma estrada, para a trafego extraordinario decorrente das obras novas ........................................................................ | 1.400:000$000 |
Captação e adducção do Mantequira, Registo e João Pinto .............................................. | 17.000:000$000 |
Captação e adducção do Cachoeira Grande e Sant'Anna ................................................. | 5.000:000$000 |
Adaptação e reforma da rêde na parte em que ella é urgente ........................................... | 4.000:000$000 |
Total .......................................................................................................................... | 27.400:000$000 |
Quanto á zona dos suburbios, marginaes á Estrada de Ferro Central do Brazil, insta separal-a, por completo, dando-lhe um abastecimento á parte, já por causa de sua situação de maior proximidade dos mananciaes, já porque é a que se apresenta, como podendo, em pouco tempo, adquirir rapido desenvolvimento. Neste sentido, é da maxima importancia, e alta vantagem, effectuar o plano do meu illustre antecessor.
Impende, pois, concluir o reservatorio do Engenho de Dentro, fazendo-o centro de distribuição, desde a rua Jockey-Club até Cascadura, supprimindo, no momento opportuno, a derivação das actuaes linhas adductoras, que hoje proporciona, directamente, áquella zona cerca de 4.000.000 de litros diarios, o que permittirá reforçar o volume destinado ao Pedregulho; áquelle reservatorio serão levadas as aguas dos rios S. Gonçalo, Camorim e Grande, com uma despeza diaria de 12.000.000 de litros e as dos rios Tingussú, Itimirim e Muriquy, nas abas da serra do Itacurussá, ou outros, com um volume total de cerca de 70.000.000 de litros diarios, susceptivel de ser, em qualquer tempo, reforçado com as aguas do Sahy, cujo volume, segundo estou informado, não é inferior a 30.000.000 de litros por dia.
Assim, modificada a distribuição e captados novos mananciaes, teremos um accrescimo no abastecimento de:
| Litros |
Mantequira, João Pinto, Registo, Cachoeira Grande e Sant’Anna ..................................... | 92.000.000 |
Camorim, Rio Grande, S. Gonçalo, Itimirim, Tingussú, Muriquy e Sahy ............................ | 112.000.000 |
| 204.000.000 |
dos quaes 104.000.000 podem ser adduzidos em curto prazo.
O que falta para completar os 360.000.000 de litros, que reputo indispensaveis, diz respeito a Paquetá, ilha do Governador, Guaratiba e outros pontos do Districto Federal, cujo abastecimento exige um estudo especial, que será feito com toda a brevidade, afim de terem inicio, dentro em pouco, as respectivas obras.
A captação do Mantequira, do João Pinto e Registo só exige que se prolongue de cerca de 14 kilometros um dos ramaes da Estrada de Ferro do Rio do Ouro; a do Cachoeira Grande e Sant'Anna dispensa a construcção de qualquer linha ferrea, em virtude de sua proximidade á repreza do S. Pedro.
Para aproveitar os mananciaes da serra do Itacurussá bastará construir uma pequena estrada de ferro, em prolongamento á Central, no ramal de Santa Cruz, que dista apenas 18 kilometros dos referidos mananciaes; além disto, as linhas adductoras destas aguas, passando por Santa Cruz, permittirão augmentar o supprimento actual deste importante centro de população.
Devem executar-se, immediatamente, a adaptação e reforma da rêde distribuidora, as captações dos rios João Pinto, Registo, Mantequira, Cachoeira Grande e Sant’Anna, bem como as do Camorim, Rio Grande e S. Gonçalo, e os trabalhos para o abastecimento de Paquetá e Governador; e, em seguida, a adducção dos outros mananciaes, cujas aguas devem ser trazidas ao Engenho de Dentro.
Os estudos, quanto a estes mananciaes, convem ser logo iniciados.
A execução prompta daquelles serviços, acima referidos, exige despezas na importancia total de 30.000:000$000.
Para este fim, é de mister crear-se, desde já, de accordo com o art. 15 do regulamento approvado pelo decreto n. 364, de 26 de abril de 1890, a 3ª divisão da Inspecção Geral das Obras Publicas da Capital Federal.
Taes, Sr. Presidente, os elementos que me compete ministrar a V. Ex. para, em seu alto criterio, resolver sobre a materia.
Rio de Janeiro, 29 de dezembro de 1906. – Miguel Calmon du Pin e Almeida.