DECRETO N. 2501 – DE 19 DE ABRIL DE 1897
Eleva a 40$ por dia a taxa do aluguel dos guindastes a vapor da Estrada de Ferro do Recife ao S. Francisco.
O Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brazil, attendendo ao que requereu a Recife and S. Francisco Pernambuco Railway Company, limited,
decreta:
Artigo unico. Fica elevada a quarenta mil réis por dia a taxa do aluguel dos guindastes a vapor da Estrada de Ferro do Recife ao S. Francisco, fixada em vinte mil réis de accordo com o art. 122 do regulamento em vigor, approvado pelo decreto n. 10.321 de 22 de agosto de 1889.
Capital Federal, 19 de abril de 1897, 9º da Republica.
PRUDENTE J. DE MORAES BARROS.
Joaquim D. Murtinho.
Sr. Presidente da Republica – O projecto de regulamento que tenho a honra de submetter á vossa apreciação não é mero expediente para debellar os males da situação economica do paiz, mas o preenchimento de um dever imposto ao Governo pela lei n. 1746, de 13 de outubro do 1869, art. 1º, § 6º, que dispõe:
«Poderá o Governo conceder ás companhias de docas a faculdade de emittir titulos de garantia das mercadorias depositadas nos respectivos armazens, conhecidos pelo nome de warrants. Esse regulamento especial deverá estabelecer as regras para a emissão desses titulos e o seu uso.»
Faculdade ampla, ella habilita o Poder Executivo a agir traçando as normas necessarias á vida e desenvolvimento da nova instituição, introduzida assim, legalmente, no mecanismo commercial.
Já o decreto n. 2647, de 19 de setembro de 1860, attribuia ás Alfandegas e Mesas de Rendas igual concessão regulada em nossas leis aduaneiras sob a denominação de conhecimentos ou bilhetes de deposito. Igualmente conforma-se perfeitamente ao nosso direito permittir aos armazens das estradas de ferro e aos trapiches e armazens alfandegados a emissão de titulos de deposito e penhor. Muitas disposições e actos officiaes consagram esta asserção; Consolidação das Leis das Alfandegas e Mesas de Rendas, art. 242.
Em nossa legislação encontramos mais o seguinte: Estatutos do Banco do Brazil, approvados pelo decreto n. 3739, de 23 de novembro de 1866, art. 47 § 6º: – «Fazer emprestimos sobre penhor de mercadorias não sujeitas á corrupção, depositadas nas alfandegas ou armazens alfandeqados.»
Estatutos do Banco do Brazil, approvados por decreto do Governo do anno de 1889:
Art. 10, § 9º: «Fazer emprestimos sobre penhor e mercadorias não sujeitas á corrupção, depositadas nos armazens alfandegados ou não.»
Estatutos do Banco da Republica dos Estados Unidos do Brazil, anno de 1890, approvados por decreto do Governo Provisorio:
Art. 42: «Adiantar dinheiro sobre café e outras mercadorias armazenadas na Alfandega, trapiches, alfandegados ou não, em armazens, etc.»
Estatutos do Banco Sul-Americano, approvados pelo decreto n. 842, de 24 de maio de 1892:
Art. 3º, § 10: «Fazer emprestimos sobre penhor de mercadorias depositadas na Alfandega, trapiches e armazens, etc.»
Estatutos do Banco Viação do Brazil, anno de 1890:
Art. 8º, § 5º: «Crear entrepostos ou trapiches alfandegados para deposito de generos, sobre os quaes cobrará taxas remunerativas; podendo esses entrepostos emittir titulos de deposito (warrants) de mercadorias armazenadas.»
Originaria do espirito commercial da Inglaterra, a instituição do warrants acclimou-se e desenvolveu-se nos costumes e na legislação dos povos cultos, que a teem aperfeiçoado. São exemplos disto: a Inglaterra, a França, Portugal, a Italia, a Allemanha, a Belgica, a Hollanda, que teem encontrado na circulação deste titulo amparo propicio á superação de crises, algumas gravissimas, que as teem dominado.
Destinado a aproveitar, pela sua movimentação, os valores paralysados e representados pelas mercadorias em deposito, é incalculavel a conveniencia economica e financeira deste regimen.
Não é o augmento da circulação, pelo credito, contribuindo para dispensar o emprego effectivo do numerario nas transacções mercantis; não é o credito, é a propria mercadoria circulando pelo documento do deposito, assistido de todas as garantias, como si fosse ella propria a passar, qual moeda, de mão a mão.
Sendo de tanta utilidade, não podia o seu uso deixar de generalisar-se nas grandes praças em que o nosso commercio concentra a acção; disto resultou a necessidade de consignar no regulamento a possibilidade da autorisação, mediante todas as cautelas e garantias, á emissão dos conhecimentos de deposito e warrants, pelos armazens de estradas de ferro e trapiches e armazens alfandegados.
E’ uma antorisação possivel, que attende ao facto da existencia de importantes emporios commerciaes desprovidos de docas e cujas Alfandegas não dispoem de armazens com a capacidade requerida.
Seria injusto e inconveniente condemnar o seu commercio á privação de recursos valiosos; por isso o regulamento consagra normas adequadas ao funccionamento, em substituição, dos trapiches e armazens alfandegados e das estradas de ferro, submettendo-os, porém, a um regimen especial de garantias e administração.
O regulamento n. 4450, de 8 de janeiro de 1870, limitou-se quasi a reproduzir as regras do direito aduaneiro; não estabelecia a dualidade do titulo: o deposito e o warrant; não definia positivamente outras relações entre os interessados, em bem da garantia das transacções e celeridade das liquidações.
O certo é que, decorridos quasi trinta annos, ainda não teve elle execução.
A’ luz da experiencia, adquirida sob a instancia das corporações commerciaes e após o exame de reconhecidas autoridades, foi promulgada em França a lei de 28 de maio de 1858, que adoptou o regimen da dualidade dos titulos: – o conhecimento de deposito e o warrant, em vez do da emissão de um e unico titulo.
Assim, foram permittidos os dous contractos em separado: – o do emprestimo de dinheiro, sob a garantia do penhor, e o de venda da mercadoria onerada da obrigação pignoraticia.
Em geral, os emprestimos sob penhor são feitos sobre uma porção minima do valor da mercadoria, e, no regimen de um só titulo, o excesso de valor se conservará inactivo e paralysado, em detrimento da circulação do capital e do credito.
Attendendo a esta grande conveniencia, a lei de 1858 admittiu francamente a emissão dos dous titulos, sem risco para o credor pignoratico, com consideravel vantagem para o depositante da mercadoria e maior impulso á circulação dos valores depositados.
A inscripção obrigatoria no registro das docas, do endosso do titulo de propriedade das mercadorias, foi igualmente dispensada, já porque divulgava aos concurrentes do consignatario o segredo de suas operações, já porque obstava a livre circulação do titulo, em razão da formal menção a que era submettido por occasião dos registros de cada endosso.
Tambem embaraçava a vulgarisação do warrant a menção do valor venal da mercadoria, no certificado de deposito verificado por avaliadores, o que, além de inutil pela constante variação dos valores, augmentava as despezas e retardava a entrega do titulo; a lei de 1858 supprimiu tambem esta formalidade.
A opção do credor, em falta de pagamento, de exercer a sua acção ou contra o devedor e os endossantes, ou sobre a mercadoria depositada, era um dos maiores embaraços ao conseguimento do resultado que se desejava alcançar; a opção foi substituida pela venda obrigada da mercadoria, cabendo nos credores, no caso da ser insufficiente o producto para o pagamento integral da divida, a acção regressiva contra o devedor e endossantes.
A dispensa de solemnidades judiciaes para a venda das mercadorias no caso de não pagamento no vencimento da divida e a restricção do privilegio da Fazenda Publica ás mercadorias que não tivessem pago os direitos, modificaram profundamente a lei de 1848 e concorreram para facilitar o uso do warrant em França.
Emfim, a lei de 31 de agosto de 1870 completou a obra imperfeita do legislador, libertando as docas de vexatorias exigencias e autorisando-as a fazer emprestimos contra warrants sobre mercadorias depositadas em seus armazens ou negociar os warrants que as representassem.
Na Inglaterra existe a dualidade dos titulos – o Weight-note – que indica o peso ou a quantidade da mercadoria, destinado á transferencia da propriedade, e o Sale-warrant, que serve para constituir o penhor, ambos negociaveis.
A Allemanha, a Hollanda, a Italia e a Belgica adoptaram o mesmo systema. E’ preciso, absolutamente preciso, desembaraçar os titulos emittidos de duvidas, formalidades e delongas judiciaes, ou renunciar de vez á idéa de vulgarisar entre nós o warrant.
O valor intrinseco da cousa depositada colloca o warrant entre os titulos de primeira ordem, pois que, além de só ser preferido pelos direitos da Alfandega, taxas das docas, despezas de venda, armazenagem, conservação e salvamento, sobre a mercadoria dada em garantia, ainda resta ao credor, no caso de insufficiencia do producto da venda da garantia real, a acção pessoal contra o primitivo devedor e os endossantes, responsaveis solidarios.
Junta a estas garantias, já de si valiosas, a da rapidez da execução, deve-se esperar que os titulos emittidos inspirem a maior confiança aos bancos e capitalistas.
As demais disposições do regulamento não carecem de justificação; explicam-se por si.
Com as concessões feitas, a exemplo de outras nações, conseguiremos o elevado intuito da lei n. 1746, de 13 de outubro de 1869 – «o uso dos warrants no Brazil» e este primeiro resultado trará outros de não menor importancia, para o maior desenvolvimento do commercio e da producção.
Capital Federal, 24 de abril de 1897. – Bernardino de Campos.