DECRETO N. 770 - DE 20 DE SETEMBRO DE 1890

Concede a José Antonio Machado e outros autorização para organizarem uma sociedade anonyma sob a denominação de Companhia Zootechnica e Industrial.

O Marechal Manoel Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brazil, constituido pelo Exercito e Armada, em nome da Nação, attendendo ao que requereram José Antonio Machado, Dr. José Carlos de Abreu e Silva e Carlos Candido Gomes, reslove conceder-lhes autorização para organizarem uma sociedade anonyma sob a denominação de Companhia Zootechnica e Industrial, com os estatutos que apresentaram: não podendo, porém, constituir-se definitivamente sem preencher as formalidades exigidas pelo art. 3º do decreto n. 164 de 17 de janeiro do corrente anno. O Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Agricultura, Commercio e Obras Publicas assim o faça executar.

Sala das sessões do Governo Provisorio, 20 de setembro de 1890, 2º da Republica.

MANOEL DEODORO DA FONSECA.

Francisco Glicerio.

Estatutos da Companhia Zootechnica e Industrial, a que se refere o decreto n. 770 de 20 de setembro de 1890.

CAPITULO I

DA DENOMINAÇÃO, SÉDE, DURAÇÃO, FINS, DISSOLUÇÃO E LIQUIDAÇÃO DA COMPANHIA

Art. 1º Com a denominação de - Companhia Zootechnica e Industrial - fica estabelecida uma sociedade anonyma com séde na Capital Federal, que será regida pelos presentes estatutos, e, nos casos omissos, pelas disposições do decreto n. 164, de 17 de janeiro do corrente anno, que reformou a lei n. 3150, de 4 de novembro de 1882.

Art. 2º A duração da companhia será de trinta annos a contar da data da publicação destes estatutos no Diario Official.

Art. 3º A companhia tem por fim:

a) Fundar estações no Estado do Rio de Janeiro, destinadas:

á criação do gado suino, em larga escala, para a venda de capados cevados e seus variados productos;

á criação do gado vaccum, em pequena escala, para a exploração da industria do leite e seus mais lucrativos productos, taes como: manteiga e queijos pelos processos aperfeiçoados postos em pratica na Suissa e Hollanda;

á criação do gado lanigero e caprino;

á criação de todas as aves domesticas;

ao desenvolvimento da apicultura para o aproveitamento da cêra e mel pelo systema da escola de Dzierzon;

ao desenvolvimento da cultura dos cereaes e mais vegetaes de consumo, de accordo com os systemas e processos da agricultura racional e methodica.

b) Estabelecer um grande deposito para venda dos productos das estações.

Art. 4º A companhia só poderá ser dissolvida antes da expiração do prazo social, nos casos previstos na lei.

Art. 5º Dissolvida em qualquer tempo a companhia, se fará a liquidação como o resolver a assembléa geral dos accionistas e com as prescripções legaes.

CAPITULO II

DO CAPITAL, ACÇÕES, FUNDOS DE RESERVA, DE CONSERVAÇÃO E REFORMA, E DIVIDENDOS

Art. 6º O capital da companhia será de quinhentos contos de réis representados por cinco mil acções de cem mil réis cada uma; poderá ser augmentado por deliberação da assembléa geral dos accionistas, independente de reforma dos estatutos, e, neste caso, os accionistas, então inscriptos nos registros da companhia, terão preferencia á distribuição proporcional das novas acções, si assim o declararem no prazo estipulado pela directoria.

Art. 7º Realizada a primeira prestação de 20 % no acto da subscripção das acções, far-se-ha a segunda de valor igual logo após a installação da companhia. As subsequentes entradas que serão de 10 %, far-se-hão com intervallos nunca menores de 30 dias e quando annunciadas pela directoria com 15 dias de antecedencia pelo menos.

Art. 8º O accionista que não for pontual na prestação da segunda entrada ou de qualquer outra, findo o prazo de 30 dias após a chamada, cahirão as suas acções em commisso, revertendo o producto ao fundo de reserva e reemittindo-se novas acções de igual numeração, salvo justificando força maior, em cujo caso pagará pela móra 12 % annual.

Paragrapho unico. Fica entendido que o commisso é uma faculdade, podendo a directoria, quando o entender, compellir judicialmente o accionista retardatario.

Art. 9º O accionista em móra não poderá fazer parte das assembléas geraes.

Art. 10. As acções são nominativas.

Art. 11. A propriedade de uma acção importa adhesão aos estatutos da companhia.

Art. 12 As acções são indivisiveis.

Paragrapho unico. Quando uma acção for propriedade de duas ou mais pessoas, uma dellas, com autorização de todas as outras, exercerá os direitos conferidos por estes estatutos aos accionistas.

Art. 13. O fundo de reserva será formado semestralmente com uma quota até 10 % dos lucros liquidos, até attingir 25 % do capital.

Paragrapho unico. As quantias destinadas á sua formação serão convertidas em titulos de renda, conforme resolver a directoria, de accordo com o conselho fiscal.

Art. 14. Deduzida a quota do fundo de reserva, de accordo com o artigo antecedente, a directoria deduzirá dos lucros liquidos uma quota de 5 % destinada ao fundo de conservação e reforma e os restantes serão distribuidos aos accionistas como dividendos de suas acções.

Paragrapho unico. Não se comprehendem nas despezas de conservação e reforma aquellas que constituem augmento de patrimonio.

CAPITULO III

DA ADMINISTRAÇÃO DA COMPANHIA

Art. 15. A companhia será administrada por uma directoria composta de cinco membros, sendo um technico, eleitos de quatro em quatro annos e reelegiveis, por escrutinio secreto e maioria de votos em assembléa geral.

Durante o primeiro quatriennio serão directores os Srs.:

Director presidente, Eduardo Romaguera.

Director vice-presidente, João de Souza.

Director thesoureiro, José Rodrigues de Azevedo Machado.

Director secretario, José Antonio Machado.

Director technico, Dr. José Carlos de Abreu e Silva.

Art. 16. Cada um dos directores prestará caução de 100 acções, a qual será reduzida a termo no livro de registro e subsistirá durante o mandato e até á approvação das contas de sua gestão pela assembléa geral.

Art. 17. A directoria representa a companhia em todos os actos publicos ou particulares, para o que lhe são conferidos por estes estatutos todos os poderes sem reserva em direito permittidos, inclusive os de procurador em causa propria.

Art. 18. Na vaga de um director, por morte, renuncia tacita ou expressa, ausencia por mais de tres mezes, excepto a motivada por commissão em serviço da companhia, os outros directores escolherão, de accordo com o conselho fiscal, um accionista para preencher a vaga, o qual possua pelo menos 50 acções, até á primeira assembléa geral ordinaria, que confirmará a escolha ou elegerá outro director.

Paragrapho unico. E' considerada renuncia tacita a não realização da caução um mez após a installação da companhia, tratando-se dos primeiros directores, ou um mez depois da escolha ou eleição, tratando-se dos futuros directores.

Art. 19. A' directoria compete:

§ 1º Nomear, suspender e demittir os gerentes das estações e os demais empregados da companhia, e fixar-lhes os vencimentos e fianças, quando as devam prestar, arrendar, comprar, vender ou alienar lotes de terras com ou sem bemfeitorias, á vista ou a prazos.

§ 2º Organizar os relatorios, balanços, e contas da administração.

§ 3º Fixar no fim de cada semestre o dividendo a distribuir.

§ 4º Contrahir emprestimos por meio de emissão de obrigações de preferencia (debentures), seja por outro qualquer meio, com hypotheca e penhor, mediante autorização da assembléa geral.

§ 5º Regular todos os serviços e fiscalizar todas as transacções e escripturação, fazer a chamada de capitaes, decretar o commisso das acções, conhecer da justificação da móra e reemittil-as com igual numeração, procurar os melhores mercados para os productos das estações, convocar a assembléa geral ordinaria e extraordinaria.

§ 6º Deliberar sobre todos os negocios da companhia, consultando, quando julgar conveniente, o conselho fiscal, e fazer tudo o mais que convier á prosperidade da companhia.

§ 7º Executar e fazer executar os presentes estatutos, as resoluções da assembléa geral e as disposições legaes.

Art. 20. A directoria se reunirá uma vez por semana, lavrando-se no respectivo livro as actas que serão assignadas pelos membros presentes, devendo os directores se revesar semanalmente no serviço effectivo, para abrirem a correspondencia, tomarem conhecimento dos factos que occorrerem e darem as providencias necessarias ao desenvolvimento das estações.

CAPITULO IV

DO CONSELHO FISCAL

Art. 21. O conselho fiscal compor-se-ha de tres membros e tres supplentes eleitos annualmente pela assembléa geral ordinaria.

No primeiro anno servirão os seguintes Srs.:

Francisco João Moniz.

Carlos Candido Gomes.

João Antonio Fernandes de Miranda.

Supplentes:

Antonio Fernandes Ribeiro.

Dr. Raymundo Monteiro da Silva.

João Candido Lopes.

Paragrapho unico. Os membros do conselho fiscal deverão possuir pelo menos 50 acções da companhia sujeitas á caução, na fórma do disposto no art. 16.

Art. 22. O conselho fiscal tem por obrigação:

§ 1º Examinar a escripturação da companhia, de conformidade com a lei.

§ 2º Dar parecer, por escripto, sobre os negocios e transacções da empreza, o qual entregará á directoria para publicar e apresentar á assembléa geral ordinaria.

§ 3º Suggerir as medidas que julgar de vantagem á companhia.

§ 4º Tomar parte nas resoluções da directoria, quando ella o pedir, e externar-se francamente sobre os assumptos em que for consultado.

CAPITULO V

DA ASSEMBLÉA GERAL DOS ACCIONISTAS

Art. 23. A assembléa geral é constituida por accionistas em numero legal e regularmente convocados e inscriptos no registro da companhia.

Art. 24. Podem os accionistas se fazer representar na assembléa geral por procuradores bastantes, socios ou não socios, os quaes podem tomar parte na discussão, mas não votarão si não forem accionistas.

Art. 25. Será installada a assembléa pelo director presidente, e em sua falta por algum dos outros. Em seguida será acclamado o presidente da assembléa, que nomeará os secretarios.

Art. 26. A assembléa geral ordinaria será convocada com 15 dias de antecedencia e a extraordinaria tambem com antecedencia de oito dias, por meio de annuncios repetidos.

§ 1º Na reunião ordinaria delibera-se sobre o relatorio, contas da administração, parecer do conselho fiscal e quaesquer assumptos que possam interessar á companhia.

§ 2º Na reunião extraordinaria delibera-se sómente sobre o assumpto que a motivou, que constará da ordem do dia declarada nos annuncios de convocação.

Art. 27. As resoluções da assembléa são tomadas por maioria de votos, os quaes são contados por pessoas, salvo si a assembléa determinar que o sejam por acções, e neste caso cada accionista tem um voto por cinco acções, não cabendo a nenhum mais de 20 votos, seja qual for o numero de acções que possua ou represente.

Paragrapho unico. As eleições se farão por acções e escrutinio secreto.

Art. 28. Entende-se legalmente constituida a assembléa, nos casos ordinarios, quando presente numero de accionistas que represente um quarto do capital social e dous terços do capital nos casos extraordinarios.

Paragrapho unico. As resoluções da assembléa tomadas de accordo com a lei e os presentes estatutos, obrigam todos os accionistas, ainda que ausentes e dissidentes.

Art. 29. As assembléas geraes ordinarias terão logar até ao mez de março de cada anno, devendo a primeira ser em março de 1892.

Art. 30. A approvação das contas e balanço annuaes importa a extincção da responsabilidade da directoria.

Art. 31. A' assembléa geral dos accionistas compete:

§ 1º Eleger os directores e fiscaes e marcar-lhes os honorarios.

§ 2º Julgar as contas annuaes e dar ou negar quitação aos mandatarios.

§ 3º Resolver as divergencias entre os directores.

§ 4º Reformar os estatutos, augmentar o capital, prorogar o prazo da duração da companhia e decretar a sua liquidação.

§ 5º Resolver livremente sobre todos os negocios da companhia, sobre tudo que respeitar á sua prosperidade e aos interesses dos accionistas, e o mais que a lei e os estatutos prescreverem.

CAPITULO VI

DISPOSIÇÕES GERAES

Art. 32. O anno social terminará no dia 31 de dezembro, considerando-se para termo do primeiro anno o dia 31 de dezembro de 1891.

Art. 33. Cada um dos directores perceberá annualmente o honorario de seis contos de réis, pago em prestações mensaes, e mais 2 1/2 % dos lucros liquidos.

Cada membro do conselho fiscal será remunerado com o honorario annual de dous contos e quatrocentos mil réis, pago em prestações mensaes.

Art. 34. Na assembléa constituinte da companhia serão ratificados os directores, os membros do conselho fiscal e supplentes.

Art. 35. Os accionistas acceitam, approvam e confirmam os presentes estatutos em todas as suas partes, e neste sentido os subscrevem.

Rio de Janeiro, 20 de agosto de 1890. - José Antonio Machado. - José Carlos de Abreu e Silva. - Carlos Candido Gomes.

Generalissimo - A numerosa classe dos funccionarios publicos, urgida em muitas occasiões por necessidades imprevistas e inevitaveis, não lhe permittindo a insufficiencia de seus vencimentos achar com facilidade credito, vê-se obrigada a contrahir emprestimos a juro oneroso, o qual, solvida a divida, quasi sempre iguala e até excede ao capital primitivo.

Succede muitas vezes que o apuro daquellas necessidades é tal, que não só obriga os funccionarios a acceitarem as imposições da usura, mas ainda, o que é mais lamentavel, os desvia do trilho da honradez, e os impelle, para se salvarem das difficuldades do momento, a praticar actos incompativeis com a dignidade de suas funcções.

No intuito de obviar a todos estes inconvenientes, prestaria á mencionada classe relevante serviço uma associação que, attendendo aos interesses reciprocos do mutuante e do mutuario, e assentada em bases equitativas, livrasse das garras da usura o funccionario publico.

Em data de 15 de março proximo findo, apresentou ao Ministerio da Fazenda o cidadão Antonio José de Abreu a proposta da creação de uma associação sob o titulo - Banco dos Funccionarios Publicos - com o capital de dous mil contos de réis.

Por essa proposta o Banco dos Funccionarios Publicos tem por fins:

a) Emprestar dinheiro a empregados activos e inactivos, e a pensionistas do Estado, para a compra de predios, para creação de seguro de vida ou para occorrer a outras necessidade;

b) Fazer os ditos emprestimos mediante condições dependentes de ser ou não ser o mutuario inscripto em uma companhia de seguros de vida, que o banco mutuante designar;

c) Transigir (para que haja segurança nos contractos de emprestimos) com uma pequena parte do vencimento mensal do funccionario, ficando livres para este mais de noventa por cento daquelle vencimento;

d) Passarem os mutuarios do Banco dos Funccionarios Publicos procurações in rem propriam, com todas as regalias em direito inherentes a taes instrumentos;

e) Apresentar á repartição respectiva no fim de cada exercicio a publica-fórma das procurações passadas pelos mutuarios, si assim o exigir o Governo;

f) Exigir dos mutuarios, nos casos de remoção ou de commissão para fóra da Capital Federal, uma certa quantia como consignação;

g) Não poder o mutuario constituinte revogar, sinão mediante accordo com o Banco, a consignação ou a procuração passada a este, que com tal instrumento fica autorizado a praticar todos os actos relativos ao negocio;

h) Cobrar da companhia de seguros a importancia deste no caso de fallecimento do segurado; para o que o mutuario, por occasião de haver feito o seguro de vida em seu proprio nome, a transferirá em hypotheca ao Banco por escriptura publica;

i) Dar todos os esclarecimentos ao fiscal do Governo, que terá, o direito de examinar a escripturação, documentos do Banco, etc. sendo indispensavel a sua intervenção nos casos de liquidação por motivo de fallecimento de algum mutuario.

Pede o referido proponente, para não falharem os uteis fins da mencionada associação:

1º Que sejam as procurações que os mutuarios passarem ao Banco dos Funccionarios Publicos reputadas instrumentos de uma convenção particular, synallagmatica em beneficio e segurança de ambas as partes contractantes;

2º Que, em virtude de serem deste modo consideradas, vigorem taes procurações por tempo indeterminado, e não necessitem de ser renovadas;

3º Que as mencionadas procurações possam produzir seus effeitos legaes, ainda mesmo no caso de fallecimento do constituinte, afim de promover os interesses dos representantes legaes daquelle;

4º Que, no caso de remoção ou commissão do funccionario devedor ao Banco, para repartição fóra da Capital Federal, consigne aquelle ao mesmo Banco a quantia que lhe é devida mensalmente, não podendo retirar essa consignação sem accordo com o Banco.

Pede ainda o proponente que a nenhum outro individuo, associação ou companhia sejam concedidos iguaes favores e garantias.

São intuitivas as vantagens que á numerosa classe dos funccionarios publicos póde trazer uma instituição como a que pretende organizar o proponente.

Os favores que pede, si por um lado são garantia das operações do Banco, por outro interessam igualmente aos mutuarios, que são funccionarios publicos, aos quaes o Banco offerece emprestimos com favores que seria impossivel por outro modo obter.

O Banco, com a organização que a proposta lhe dá, constitue ao mesmo tempo uma caixa economica e um montepio para os funccionarios.

As facilidades de ordem economica obtidas por estes interessam tambem á administração por motivos que são obvios.

As operações do Banco, sua administração, gerencia, direcção, etc., aproveitam e são confiadas a funccionarios publicos, aos quaes proporcionam ainda proventos.

Para isso é necessario estabelecer que neste caso especial não subsistam incompatibilidades, podendo os funccionarios de qualquer ordem pertencer á administração e direcção, comtanto que o banco funccione fóra das horas do expediente da repartição publica.

Tal é a exposição summaria dos fins do Banco dos Funccionarios Publicos, na qual não vão apontadas as minudencias e particularidades relativas a amortização do capital, e taxa de juro, não devendo esta cexceder de 1 % ao mez, calculado sobre o capital realmente devido, e nem ser aquella inferior a 3 % ao mez, salvo nos casos de adiantamentos para compra de predio.

Parecendo-nos de toda conveniencia a concessão, com os favores requeridos, submettemos á vossa assignatura o presente Decreto.

Capital Federal, 20 de setembro de 1890. - Ruy Barbosa.