DECRETO N. 733 - DE 6 DE SETEMBRO DE 1890

Concede autorização ao Dr. Pedro Luiz Soares de Souza e outros para organizarem uma sociedade anonyma sob a denominação de Companhia Progresso Industrial de Cabo-Frio.

O Marechal Manoel Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brazil, constituido pelo Exercito e Armada, em nome da Nação, attendendo ao que requereram o Dr. Pedro Luiz Soares de Souza, coronel Alipio Bittencourt Calasans e Joaquim José Valentim de Almeida, resolve conceder-lhes autorização para organizarem uma sociedade anonyma sob a denominação de Companhia Progresso Industrial de Cabo-Frio, com os estatutos e com as clausulas que com este baixam; não podendo, porém, constituir-se definitivamente sem preencher as formalidades exigidas pelo art. 3º do decreto n. 164 de 17 de janeiro do corrente anno.

O Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Agricultura, Commercio e Obras Publicas assim o faça executar.

Sala das sessões do Governo Provisorio, 6 de setembro de 1890, 2º da Republica.

MANOEL DEODORO DA FONSECA.

Francisco Glicerio.

Clausulas a que se refere o decreto n. 733 desta data

I

A Companhia Progresso Industrial de Cabo-Frio é obrigada a respeitar em toda a sua plenitude as concessões feitas para a exploração da industria da pesca e da venda do peixe, quer vivo, quer secco, salgado ou de qualquer outro modo preparado; bem como outras que pára identicos fins o Governo haja de fazer.

II

A mesma companhia, sempre que tiver de adquirir terrenos de marinha, ainda não aforados ou devolutos, deverá requerel-os ás respectivas Intendencias ou Camaras Municipaes ou ao Governo, conforme o dominio a que estiverem sujeitos os mesmos terrenos.

Rio de Janeiro, 6 de setembro de 1890. - Francisco Glicerio.

Estatutos da Companhia Progresso Industrial de Cabo-Frio

Art. 1º A Companhia Progresso Industrial de Cabo-Frio é uma sociedade anonyma fundada nesta Capital Federal, onde terá sua séde, fôro juridico e administração.

Art. 2º Os fins da companhia são:

§ 1º a) explorar as inexgotaveis jazidas calcareas da Lagôa Araruama, no fabrico de cal, para o que requererá permissão especial do Ministerio da Agricultura, Commercio e Obras Publicas;

b) explorar a pesca e preparo do peixe e camarão;

c) montar a pesca da baleia e fabrico de seu azeite;

d) bonificar os productos da lavoura do municipio de Cabo-Frio, e outros elementos industriaes.

§ 2º Ficam dependentes de approvação do Governo as partes do § 1º deste artigo, que se referem á pesca e preparo do peixe e camarão e á pesca da baleia.

Art. 3º O prazo da duração da companhia será de 30 annos, contados da data effectiva do registro destes estatutos, que poderá ser prorogado. Antes de findo este prazo só poderá ser resolvida a liquidação ou dissolução, caso se verifiquem as hypotheses previstas na legislação actualmente em vigor, ou por deliberação de uma assembléa geral dos accionistas expressamente convocada e na qual estejam representadas, pelo menos, duas terças partes do capital emittido.

Art. 4º O capital da companhia será de seiscentos contos de réis (600:000$), dividido em tres mil (3.000) acções de duzentos mil réis (200$) cada uma, podendo ser elevado ao dobro.

Art. 5º As entradas sobre as acções serão realizadas todas á razão de 10 % nas épocas prescriptas pela directoria com intervallo nunca menor de 30 dias, precedendo avisos publicados nos jornaes de maior circulação, nunca menos de tres vezes e antecedencia minima de 15 dias. O accionista poderá integralizar suas acções, dependendo da directoria acceitar ou não. Os accionistas que não realizarem o pagamento no prazo fixado pela directoria, e o realizarem dentro do prazo, aliás, dos 30 dias subsequentes, incorrerão na multa de 5 % sobre a prestação retardada; os que excederem este prazo perderão em beneficio da companhia o capital que tiverem pago, e as acções suas serão declaradas em commisso, salvo caso de força maior, devidamente justificado perante a directoria.

A companhia poderá reemittir as acções que cahirem em commisso e o seu producto será levado á conta de fundo de reserva.

Art. 6º A companhia poderá, com o fim de alargar as operações a que se refere o art. 2º, emittir obrigações (debentures) nominativas ou ao portador até á importancia do capital nominal, ficando a directoria investida de todos os poderes necessarios, para effectuar a emissão e regular-lhe os effeitos.

Paragrapho unico. As obrigações a que se refere este artigo serão garantidas com hypotheca e penhor de todos, ou parte dos haveres sociaes.

Art. 7º As acções não integralizadas ou cautelas serão nominativas, e as integralizadas poderão ser ao portador, assignadas por dous directores e em cada uma dellas se fará expressa menção do valor nominal que representar, bem como da importancia das prestações pagas e de suas exigencias da lei.

Art. 8º Cada acção é indivisivel com relação á companhia, a qual não reconhece mais de um proprietario para uma acção.

Art. 9º A transferencia das acções nominativas só póde ser effectuada no escriptorio da séde da companhia, por termo assignado pelo cedente e pelo cessionario, seus legitimos representantes ou procuradores, revestidos dos poderes necessarios e por um director.

§ 1º Não são transferiveis as acções que não tiverem 20 % do seu valor nominal realizado.

§ 2º A cessão das acções ao portador effectua-se pela simples tradicção dos titulos.

Art. 10. Os accionistas da companhia, são responsaveis, de conformidade com a lei, pelo valor das entradas de capital não realizado das acções que subscreverem ou lhes forem transferidas.

Art. 11. A administração superior da companhia será exercida por uma directoria composta de quatro membros eleitos pela assembléa geral dos accionistas, por escrutinio secreto e maioria absoluta dos votos presentes; e não se verificando maioria absoluta, proceder-se-ha a segundo escrutinio entre os candidatos mais votados. Si houver empate, decidirá a sorte.

No segundo escrutinio a maioria designa os eleitos.

Art. 12. Para poder exercer o cargo de director é necessario possuir pelo menos 50 acções, que serão caucionadas á companhia, não podendo ser oneradas nem alienadas emquanto não tiverem sido approvadas as contas e os actos de sua gestão.

Art. 13. O mandato da directoria durará pelo prazo de seis annos, contando-se o primeiro da data da installação legal da companhia, e os subsequentes da data da eleição, salvo o disposto no art. 14. E' permittida a reeleição dos directores.

Art. 14. No caso de impedimento por molestia ou ausencia temporaria de algum director, poderão os outros nomear accionista idoneo para o substituir, até que o impedido entre no exercicio do seu cargo. Quando por motivo de renuncia fallecimento ou interdicção legal de algum director se verifique vaga na directoria, os directores em exercicio nomearão accionista que o possa preencher até á primeira reunião da assembléa geral, a qual elegerá e exercerá o mandato até á epoca fixada para a eleição da directoria.

Art. 15. São attribuições e deveres da directoria:

1º Dirigir e fiscalizar collectivamente e individualmente os interesses da companhia, exercendo todas as attribuições inherentes ao mandato, especialisadas ou não nestes estatutos;

2º Nomear um de seus membros, ou administradores, profissionaes de sua confiança, ou gerentes, nos quaes poderá delegar os poderes que sejam necessarios ao regular andamento dos estabelecimentos e fabricação, inclusive os de admittir ou demittir os empregados subalternos e operarios;

3º Nomear e demittir qualquer empregado da companhia;

4º Celebrar contracto e escripturas para acquisição de materiaes, machinas, utensilios e embarcações precisas, podendo tambem fazer encommendas directa ou indirectamente e as obras por administração ou empreitada;

5º Vender ou autorizar a venda dos productos da fabrica e quaesquer outros effeitos pertencentes á companhia, excepto bens immoveis, que só serão alienados por autorização expressa da assembléa geral;

6º Finalmente, exercer livre e geral administração, para o que fica investida de todos os poderes, inclusive os de procurador em causa propria.

Art. 16. E' válida toda a deliberação da directoria que tiver sido adoptada por tres directores concordes, ainda mesmo na ausencia do 4º director.

Art. 17. Nas reuniões em que se tiver de resolver qualquer acquisição de propriedades ou bens de raiz, bem como a venda de qualquer dos existentes, exigem-se votos concordes dos quatro directores, sendo a manifestação dos ausentes em serviço da companhia feita por escripto e com sciencia do conselho fiscal.

Art. 18. Os directores elegerão dentre si os cargos de presidente, secretario, thesoureiro e gerente technico.

Art. 19. São deveres e attribuições do presidente:

1º Velar pela fiel axecução dos presentes estatutos;

2º Presidir as sessões da directoria, que devem realizar-se pelo menos duas vezes mensalmente, e convocar quantas sessões extraordinarias julgar precisas, ou lhe sejam requisitadas por algum dos directores;

3º Convocar as assembléas geraes ordinarias ou extraordinarias e apresentar a companhia em juizo ou fóra delle, nos termos em que a directoria houver previamente resolvido;

4º Assignar os titulos de acções conjunctamente com o thesoureiro e quaesquer outros que representem divida da companhia.

Art. 20. Ao secretario compete:

1º Substituir o presidente e o thesoureiro no caso de impedimento de algum delles;

2º Redigir e escrever ou mandar escrever as actas das sessões da directoria;

3º Dirigir e fiscalizar o escriptorio e vigiar que a escripturação seja feita com inteira regularidade;

4º Assistir aos exames que tiverem de ser feitos pelo conselho fiscal e fornecer-lhe todos os documentos que elle exigir.

Art. 21. São deveres do thesoureiro:

1º Promover a cobrança de todas as quantias devidas á companhia;

2º Effectuar os pagamentos que forem resolvidos pela directoria, quer por compras de qualquer especie, quer por obras e serviços do pessoal empregado nos estabelecimentos;

3º Depositar, no banco que for designado pela directoria, todas as quantias arrecadadas, não podendo conservar na caixa, que fica a seu cargo, quantia excedente ás necessidades do movimento e serviço da companhia, fixada pela directoria;

4º Assignar os cheques para retirar do banco as quantias necessarias para pagamentos autorizados, conjunctamente com o presidente;

5º Examinar cuidadosamente todas as contas e despezas que tenham de ser pagas.

Art. 22. Ao gerente compete:

1º Dirigir a erecção dos estabelecimentos, montagem de machinas e todo o serviço technico, e investido pelos mais directores de poder admittir e demittir todo o pessoal preciso aos estabelecimentos e suas dependencias;

2º Conferir as folhas de pagamento, contas e mais papeis concernentes aos mesmos estabelecimentos;

3º Corresponder-se com a directoria, pelo menos quinzenalmente, e mandar-lhe todos os mezes um balancete das despezas, receita e movimento dos estabelecimentos.

Por trimestres apresentará, além dos balancetes, um relatorio explicativo dos interesses da companhia;

4º Finalmente, terá um ou mais ajudantes technicos nomeados de accordo com a directoria.

Art. 23. A directoria será remunerada pelo seu trabalho e responsabilidade com os vencimentos de: directores, seis contos de réis (6:000$) cada um e mais uma porcentagem tirada da renda liquida excedente de 12 %, a qual será de 10 %, distribuidos em partes iguaes.

Art. 24. A assembléa geral é a reunião dos accionistas possuidores de 20 ou mais acções da companhia, devidamente convocados, dando direito a um voto cada 20 acções. Ficando entendido que nenhum accionista poderá votar na eleição para directores e fiscaes, sem que suas acções tenham sido averbadas pelo menos dous mezes antes da data da reunião. As sociedades anonymas ou corporações e as firmas commerciaes são representadas, estas por um dos socios, e aquellas por um dos seus mandatarios, as mulheres casadas por seus maridos, os menores e os interdictos por qualquer motivo, por seus tutores e representantes legaes, devendo os documentos ser apresentados na companhia com tres dias de antecedencia aos da reunião.

Art. 25. Haverá annualmente uma reunião ordinaria da assembléa geral dos accionistas, para serem apresentados o relatorio da directoria e o parecer do conselho fiscal, a qual terá logar até ao fim de março.

Nesta reunião não se tratará de outro assumpto, antes de serem discutidos o relatorio e o parecer, e julgadas as contas. Em seguida proceder-se-ha ás eleições da directoria, si for necessario, e á do conselho fiscal, que será sempre annual.

Findos os trabalhos ordinarios poderá tratar-se de qualquer outro assumpto e poderão os accionistas propôr o que julgarem conveniente, devendo essas propostas ser votadas em outra sessão.

Art. 26. Nas convocações das assembléas geraes ordinarias ou extraordinarias serão sempre indicados os motivos da reunião.

Nas assembléas extraordinarias sómente se tratará do assumpto que tiver occasionado a convocação.

Art. 27. As sessões da assembléa geral serão presididas por um accionista eleito ou acclamado na occasião, o qual nomeará dous secretarios, e assim ficará constituida a mesa.

Art. 28. Sempre que sete ou mais accionistas, que representem pelo menos uma quinta parte do capital da companhia, requererem uma reunião extraordinaria da assembléa geral e expuzerem os motivos, será ella convocada pelo presidente da directoria, dentro dos 30 dias posteriores á entrega do requerimento.

Art. 29. A assembléa geral dos accionistas, devidamente constituida nos termos dos estatutos, é competente para resolver e deliberar sobre os casos omissos e imprevistos, comtanto que o faça observando as disposições geraes da legislação vigente.

Art. 30. Nas attribuições da assembléa geral se comprehende o direito de:

Reformar os estatutos;

Augmentar ou reduzir o capital social;

Julgar as contas annuaes e dar ou negar quitação dos mandatarios;

Eleger os directores e o conselho fiscal;

Alterar as quotas destinadas ao fundo de reserva;

Deliberar sobre a prorogação do prazo de duração, dissolução e liquidação da companhia, de conformidade com a legislação vigente;

E, finalmente, tomar conhecimento e resolver sobre todos os interesses.

Art. 31. Para que possa funccionar a assembléa geral é mister que no dia, hora e local designados na convocação, estejam reunidos accionistas que por si, ou por outros, representem ao menos uma quarta parte das acções emittidas.

Não comparecendo numero sufficiente de accionistas para constituir assembléa geral devidamente convocada, será convocada nova reunião e esta resolverá validamente com o numero dos accionistas que comparecerem.

Art. 32. Para augmentar o capital, reformar estatutos e resolver a liquidação ou dissolução da companhia, é indispensavel que a assembléa geral esteja constituida com as duas terças partes ou mais das acções emittidas.

Art. 33. Haverá um conselho fiscal composto de tres membros effectivos e tres supplentes accionistas, eleitos annualmente pela assembléa geral ordinaria.

As attribuições e os deveres dos fiscaes são especificados nas leis das sociedades anonymas.

O conselho fiscal será remunerado pelo seu trabalho com o vencimento de cem mil réis (100$) mensaes.

Art. 34. Dos lucros liquidos verificados semestralmente se fará distribuição de dividendo aos accionistas, depois de deduzidas as quotas que forem destinadas pela directoria para a formação de um fundo de reserva e depreciação do material, de accordo com o art. 32.

O saldo a credito da conta do fundo de reserva e os lucros que não forem distribuidos, podem ser convertidos em obrigações resgatadas pela companhia, ou acções achando-se abaixo do par ou ao par.

Art. 35. O fundo de reserva é tirado dos lucros havidos de cada semestre e fixado pela administração, não podendo ser nunca inferior a 10 %.

Este fundo é exclusivamente destinado a fazer face ás perdas do capital social e para o substituir.

Desde que o fundo de reserva attingir a cincoenta por cento (50 %) do capital realizado, cessará a deducção a que se refere o presente artigo.

Art. 36. O primeiro semestre social findará em 31 de dezembro do corrente anno.

Ficam desde já nomeados para a directoria que tem de servir no primeiro periodo marcado pelos presentes estatutos:

Presidente - Dr. Pedro Luiz Soares de Souza.

Secretario - Coronel Alipio Bittencourt Calasans.

Thesoureiro - Joaquim José Valentim de Almeida.

Gerente - Felicissimo Vieira de Almeida.

Conselho fiscal - Barão de Mesquita;

Cornelio de Souza Lima;

José Lopes Angelo.

Supplentes - João Alvares de Azevedo Macedo Sobrinho;

Francisco Lopes Ferraz Sobrinho;

Antonio Pereira Ferraz.

Os casos não previstos nestes estatutos serão regulados, na parte que lhes for applicavel, pelas disposições da lei n. 3150 de 4 de novembro de 1882 e regulamento approvado pelo decreto n. 8821 de 30 de dezembro do mesmo anno.

Rio de Janeiro, 13 de agosto de 1890. - Joaquim José Valentim de Almeida.