DECRETO N. 684 - DE 23 DE AGOSTO DE 1890

Concede privilegio ao engenheiro Eduardo José de Moraes para a construcção, uso e gozo de uma via de navegação interior desde o porto de Icapára, no Estado de S. Paulo, á bahia de Paranaguá, no do Paraná.

O Generalissimo Manoel Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brazil, constituido pelo Exercito e Armada, em nome da Nação, attendendo ao que requereu o engenheiro Eduardo José de Moraes, concede ao mesmo cidadão ou á empreza que organizar, privilegio para a construcção, uso e gozo de uma via de navegação interior desde o porto de Icapára, no Estado de S. Paulo, á bahia de Paranaguá, no do Paraná, de conformidade com as clausulas que com este baixam assignadas por Francisco Glicerio, Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Agricultura, Commercio e Obras Publicas.

Palacio do Governo Provisorio, 23 de agosto de 1890, 2º da Republica.

Manoel Deodoro da Fonseca.

Francisco Glicerio.

Clausulas a que se refere o decreto n. 684 desta data

I

O Governo concede no engenheiro Eduardo José de Moraes, ou a empreza que organizar, privilegio exclusivo por 60 annos, contados da inauguração das obras, para construcção, uso e gozo do melhoramento da barra de Icapára, no Estado de S. Paulo, e abertura de um canal maritimo no isthmo do Varadouro, que separa a bahia de Cananéa, no mesmo Estado, da de Paranaguá, no Estado do Paraná.

II

Os melhoramentos da barra de Icapára consistirão: 1º, em manter constantemente balisado o canal com a profundidade minima de 3m,0 na baixa-mar média igual á da barra de Cananéa; 2º, em construir e custear um pharol dioptrico de 1ª ordem na entrada da referida barra; 3º, finalmente, em estabelecer na referida barra de Icapára, não só o serviço de sua praticagem, como tambem o de sua rebocagem.

III

O canal maritimo do isthmo do Varadouro, que separa a bahia do Cananéa da de Paranaguá, será destinado ao transito dos navios que actualmente entram na barra de Cananéa, e as suas dimensões, no minimo, serão as seguintes: profundidade 3m,0; largura no fundo 20m,0 e sendo a relação da base para a altura dos taludes de 1,5:1, segue-se que a largura da bocca do canal ou a de sua linha de agua será de 29 metros.

IV

Durante o prazo do privilegio não será permittido a terceiros, sob qualquer pretexto, o desvio das aguas que alimentam o canal.

V

A companhia executará todos os trabalhos, segundo as regras da arte, empregará materiaes de boa qualidade e ficará sujeita aos regulamentos em vigor e aos que de futuro o Governo expedir para a fiscalização da segurança e policia da navegação, desde que não contrariem as disposições das presentes clausulas.

VI

A companhia deverá ser incorporada e achar-se em condições de funccionar e de assumir o seu encargo no prazo de dous annos, contados da presente data.

VII

Os estudos definitivos do melhoramento do porto de Icapára e da abertura do canal do isthmo do Varadouro começarão dentro do prazo de seis mezes e deverão ficar concluidos no de dous annos, contados da data da incorporação da companhia.

VIII

A Companhia apresentará ao Ministerio da Agricultura, Commercio e Obras Publicas, em duplicata, para o melhoramento da barra de Icapára e abertura do canal do isthmo do Varadouro, os seguintes documentos:

1º, planta geral em escala de 1:4.000;

2º, perfil longitudinal na escala horizontal de 1.4.000 e vertical de 1:400;

3º, perfis transversaes na escala de 1:200, em numero sufficiente para o calculo do movimento de terras;

4º, orçamento especificado contendo as quantidades de trabalho, tabella de preços elementares, simples e compostos, e os seguintes itens, discriminados por obras e estados:

A - Estudos definitivos;

B - Direcção technica e administrativa;

C - Melhoramento do porto;

D - Construcção do canal;

E - Drenagem;

F - Obras diversas;

G - Material de transporte;

H - Memoria justificativa.

IX

Os trabalhos apresentados serão considerados approvados, si pelo Governo não for proferida alguma decisão até 60 dias depois de entregues na Secretaria da Agricultura, Commercio e Obras Publicas.

X

Os trabalhos do melhoramento do porto e abertura do canal maritimo começarão dentro do prazo de seis mezes, contados da data da approvação dos estudos definitivos, e deverão ficar terminados dentro de tres annos, contado este ultimo prazo da data do começo das respectivas obras.

XI

Si durante a execução dos trabalhos a companhia reconhecer a necessidade ou conveniencia de modificar os planos approvados, solicitará do Governo a precisa autorização.

XII

A companhia poderá estabelecer linhas de navegação interior a vapor entre a barra de Icapára e o porto de Antonina, com escalas pelos portos intermediarios, sendo os mais notaveis o de Iguape, Cananéa, canal maritimo e de Paranaguá.

XIII

A companhia estabelecerá ao longo de sua linha de navegação e ligando as suas estações, uma linha telegraphica ou telephonica para o seu serviço em conformidade com o regulamento da Repartição Geral dos Telegraphos, e de cujos postes poderá o Governo utilizar-se para o estabelecimento da linha de sua propriedade, si entender conveniente, responsabilisando-se a companhia, nesse caso, pela guarda dos fios, postes e apparelhos electricos, que pertencerem ao Governo.

XIV

O Governo fiscalizará a execução do contracto que for celebrado pela fórma que lhe parecer conveniente, podendo a todo tempo fazer acompanhar não só os estudos definitivos, mas tambem a construcção dos obras da barra de Icapára e do canal maritimo do isthmo do Varadouro, por engenheiros de sua confiança, afim de verificar si os trabalhos são executados com proficiencia, méthodo e a precisa actividade.

XV

O Governo prestará á companhia a protecção necessaria e compativel com os recursos de que dispuzer para a boa execução do serviço a seu cargo.

XVI

Os preços das passagens e os fretes das mercadorias de qualquer especie, pelos meios de transportes da companhia, serão fixados em tabellas por ella organizadas e approvadas pelo Governo.

XVII

As taxas que houverem de pagar os navios não pertencentes á companhia, que transitarem pela barra de Icapára e canal maritimo do isthmo do Varadouro, constarão igualmente de tabellas organizadas pela companhia e approvadas pelo Governo.

Será inteiramente livre o transito pelo canal aos navios de guerra nacionaes e ás canôas de pescadores com os respectivos accessorios.

XVIII

Si o melhoramento da barra de Icapára e do canal maritimo não produzir renda sufficiente para a distribuição de dividendos correspondentes a 6 % do capital despendido, as tarifas serão modificadas de modo conveniente para o augmento da renda. Si os dividendos excederem de 12 % do capital despendido, o Governo terá o direito de exigir a reducção dos fretes e taxas de transito de embarcações.

Em todo caso, de cinco em cinco annos, as tarifas serão revistadas.

XIX

As malas do Correio e respectivos conductores, quaesquer sommas de dinheiro pertencentes ao Thesouro Federal ou ao dos Estados, os presos e guardas que os acompanharem, e os agentes policiaes em serviço, serão transportados gratuitamente pela companhia, com as necessarias garantias de segurança. As tropas e material de guerra, os colonos e respectivas bagagens, e, em geral, quaesquer cargas do Governo, serão transportados por metade dos preços das tarifas da companhia. Sempre que o Governo o exigir, em circumstancias extraordinarias, a companhia porá á sua disposição todos os meios de transporte de que dispuzer. Neste caso, o Governo, si o preferir, pagará á companhia o que for convencionado pelo uso do seu material, não excedendo o valor da renda média de periodo identico nos ultimos tres annos.

XX

A companhia poderá desapropriar, na fórma do decreto n. 1664 de 27 de outubro de 1855, os terrenos de dominio particular, predios e bemfeitorias, que forem necessarios para a construcção das obras da barra e do canal e suas dependencias. Terá o direito, em igualdade de condições, para a lavra de minas nas margens do canal, sendo expresso em contracto especial o numero de datas que o Governo julgue conveniente conceder, bem como as condições a que ficar sujeita a companhia.

XXI

A companhia terá igualmente preferencia, em identidade de condições, para a execução de obras no porto de Icapára e de Iguape, si o Governo resolver realizar taes obras pelo systema das leis ns. 1746 de 13 de outubro de 1869, 3314 de 16 de outubro de 1886 e 3349 de 20 de outubro de 1887.

XXII

A companhia será organizada de accordo com as leis e regulamentos em vigor. Terá representante com domicilio legal na Republica. As duvidas e questões que se suscitarem estranhas á intelligencia das presentes clausulas serão resolvidas de conformidade com a legislação brazileira.

XXIII

Em caso de desaccordo entre o Governo e a companhia sobre a intelligencia das presentes clausulas, esta será decidida por arbitros nomeados, um pelo Governo e outro pela companhia. Servirá de arbitro desempatador o que for escolhido á sorte em lista triplice apresentada pelo Governo e pela companhia.

XXIV

O Governo terá o direito de resgatar o melhoramento da barra de Icapára e o canal maritimo do isthmo do Varadouro, depois de decorridos vinte annos da presente data.

O preço do resgate sem regulado, em falta de accordo, pelo termo médio do rendimento liquido dos ultimos tres annos, tendo-se em consideração a importancia das obras, material e dependencias, no estado em que se acharem, e bem assim o disposto na clausula seguinte.

O preço do resgate poderá ser pago em titulos da divida publica que assegurem o rendimento de 6 % ao anno.

XXV

Findo o prazo do privilegio reverterão para a propriedade do Governo Federal, sem indemnização alguma, as obras do melhoramento do porto de Icapára, o canal maritimo e suas dependencias, salvo si, em contracto celebrado com os Governadores dos Estados de S. Paulo e do Paraná, for estabelecida de accordo com o Governo Federal a reversão das mesmas obras para aquelles Estados, em compensação de favores que concedam á companhia para facilitar-lhe a execução da empreza. Effectuada a reversão, a Republica ou os referidos Estados terão o direito de preferencia para a compra do material de navegação pertencente á companhia.

XXVI

Um anno depois de inaugurada a navegação do porto de Icapára, do canal maritimo, a companhia entregará ao Governo a planta cadastral destas obras, bem como uma relação das estações, obras de arte e um quadro demonstrativo dos respectivos cursos de linha de navegação estabelecida, e de qualquer alteração ou acquisição ulterior será igualmente enviada a planta ao Governo.

XXVII

A companhia apresentará no Governo, até aos primeiros dias do mez de março de cada anno, um relatorio do anno anterior, mencionando todas as occurrencia, dados estatisticos sobre o movimento do canal, receita e despeza, condições financeiras da companhia, estado das obras da barra e do canal e suas dependencias.

XXVIII

Pela inobservancia de qualquer das presentes condições poderá o Governo impor multas de 100$ a 1:000$ e do dobro na reincidencia.

XXIX

Caducará a presente concessão, si deixar de ser cumprida qualquer das clausulas relativas aos prazos fixados, e o Governo entender conveniente não prorogar os mesmos prazos.

Secretaria de Estado dos Negocios da Agricultura, Commercio e Obras Publicas, 23 de agosto de 1890. - Francisco Glicerio.