DECRETO-LEI N. 869 – DE 18 DE NOVEMBRO DE 1938

Define os crimes contra a economia popular, sua guarda e seu emprego

O Presidente da Republica, usando da atribuição que lhe confere o art. 180 da Constituição,

DECRETA:

Art. 1º Serão punidos na forma desta lei os crimes contra a economia popular, sua guarda e seu emprego.

Art. 2º São crimes dessa natureza:

I, destruir ou inutilizar, intencionalmente e sem autorização legal, com o fim de determinar alta de preços, em proveito próprio ou de terceiro, matérias primas ou produtos necessários ao consumo do povo ;

II, abandonar ou fazer abandonar lavouras ou plantações, suspender ou fazer suspender a atividade de fábricas, usinas ou quaisquer estabelecimentos de produção, ou meios de transporte, mediante indenização paga pela desistência da competição;

III, promover ou participar de consórcio, convênio, ajuste, aliança ou fusão de capitais, com o fim de impedir ou dificultar, para o efeito de aumento arbitrário de lucros, a concorrência em matéria de produção, transporte ou comércio;

IV, reter ou açambarcar matérias primas, meios de produção ou produtos necessários ao consumo do povo, com o fim de dominar o mercado em qualquer ponto do país e provocar a alta dos preços;

V, vender mercadorias abaixo do preço de custo com o fim de impedir a concorrência;

VI, provocar a alta ou baixa de preços, títulos públicos, valores ou salários por meio de notícias falsas, operações fictícias ou qualquer ouro artifício;

VII, dar indicações ou fazer afirmações falsas em prospectos ou anúncios, para o fim de subscrição, compra ou venda de títulos, ações ou quotas;

VIII, exercer funções de direção, administração ou gerência de mais de uma empresa ou sociedade do mesmo ramo de indústria ou comércio com o fim de impedir ou dificultar a concorrência;

IX, gerir fraudulentamente ou temerariamente bancos ou estabelecimentos bancários, ou de capitalização; sociedades de seguros, pecúlios ou pensões vialícias; sociedades para empréstimos ou financiamento de construções e de vendas de imóveis a prestações, oom ou sem sorteio ou preferência por meio de pontos ou quotas; caixas econômicas; caixas Raiffeisen; caixas mútuas, de beneficência, socorros ou empréstimos; caixas de pecúlio, pensão e aposentadoria; caixas construtoras; cooperativas; sociedades de economia coletiva, levando-as à falência ou à insolvência, ou não cumprindo qualquer das cláusulas contratuais com prejuízo dos interessados;

X, fraudar de qualquer modo escriturações, lançamentos, registos, relatórios, pareceres e outras irformações devidas a sócios de sociedades civís ou comerciais, em que o capital seja fracionado em ações ou quoas de valor nominativo igual ou inferior a 1:000$000, com o fim de sonegar lucros, dividendos, percentagens, rateios ou bonificações, ou de desfalcar ou desviar fundos de reserva ou reservas técnicas.

Pena: prisão celular de 2 a 10 anos e multa de 10:000$000 a 50:000$000.

Art. 3º São ainda crimes contra a economia popular, sua guarda e seu emprego:

I, celebrar ajuste para impor determinado preço de revenda ou exigir do comprador que não compre de outro vendedor;

II, transgredir tabelas oficiais de preços de mercadorias;

IlI, obter ou tentar obter ganhos ilícitos, em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas, mediante especulações ou processos fraudulentos ("bola de neve”, “cadeias”, "pichardismo", ete.)

IV, violar contrato de venda a prestações, fraudando sorteios ou deixando de entregar a coisa vendida, sem devolução das prestações pagas, ou descontar destas, nas vendas com reserva de domínio, quando o contrato for rescindido por culpa do comprador, quantia maior do que a correspondente à depreciação do objeto;

V, fraudar pesos ou medidas padronizados em lei ou regulamento; possuí-los ou detê-los, para efeitos de comércio, sabendo estarem fraudados.

Pena: prisão celular de 6 meses a 2 anos e multa de 2:00$000 a 10:000$000.

Art. 4º Constitue crime da mesma natureza a usura pecuniária ou real, assim se considerando:

a) cobrar juros superiores à taxa permitida por lei, ou comissão ou desconto, fixo ou percentual, sobre a quantia mutuada, alem daquela taxa;

b) obter ou estipular, em qualquer contrato, abusando da premente necessidade, inexperiência ou leviandade da outra parte, lucro patrimonial que exceda o quinto do valor corrente ou justo da prestação feita ou prometida.

Pena: 6 meses a 2 anos de prisão celular e multa de 2:000$000 a 10:000$000.

§ 1º Nas mesmas penas incorrerão os procuradores, mandatários ou mediadores que intervierem na operação usurária, bem como os cessionários do crédito usurário que, cientes de sua natureza ilícita, o fizerem valer em sucessivas transmissões ou execução judicial.

§ 2º São circunstâncias agravantes do crime de usura:

I, ser cometido em época de grave crise econômica;

II, ocasionar grave dano individual;

III, dissimular-se a natureza usurária do contrato;

IV, ser praticado:

a) por militar, funcionário público, ministro de culto religioso;por pessoa cuja condição econômico-social seja manifestamente superior à da vítima;

b) em detrimento de operário ou de agricultor; de menor de 18 anos ou de deficiente mental, interditado ou não;

V, a reincidência.

§ 3º A estipulação de juros ou lucros usurários será nula, devendo o juiz ajustá-los à medida legal, ou, caso já tenha sido cumprida, ordenar a restituição da quantia paga em excesso, com os juros legais a contar da data do pagamento indevido.

Art. 5º Quando qualquer dos crimes definidos nesta lei for praticado em nome de pessoa jurídica, o Ministro da Justiça e Negócios Interiores poderá interditá-la, uma vez passada em julgado a sentença, sem prejuízo da sanção imposta aos responsáveis.

Art. 6º Os crimes definidos nesta lei são inafiançáveis e serão processados e julgados pelo Tribunal de Segurança Nacional. Neles não haverá suspensão da pena nem livramento condicional.

Art. 7º. Esta lei entra em vigor na data da sua publicação; revogadas as disposições em contrário.

Rio de Janeiro, 18 de novembro de 1938, 117º da Independência e 50º da República.

GETULIO VARGAS.

Francisco Campos.